"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Brincantes II

O Cavalo Marinho é uma dança cheia de detalhes (cheia de melindres), porém bem menos popular que o maracatu.
Ao longo dos anos tem sido perceptivel que o ‘desaparecendo’ Cavalo Marinho (assim como o Pastoril).



As apresentaçãos estão se tornando cada vez mais raras. Algumas escolas procuram manter a tradição do Ciclo Natalino e fazem apresentações destes Brincantes nas festas de final de ano, o que é ótimo para a cultura popular pernambucana e para nossas crianças que cada dia que passa se distanciam do popular e se tornam mais próximas da modernidade (computador, video games, cariinhos de controle remoto...).

Mas não é apenas por estar ‘fora da moda’ que o cavalo-marinho tem mais dificuldades em se manter. Algumas características do folguedo também interferem nisso: a ‘orquestra’ apesar de não precisar de muitos músicos utiliza instrumentos como a rabeca, ganzá, pandeiro e reco-reco que são instrumentos que não chamam tanto a atenção dos jovens como os bombos, tarol, alfaia e outros instrumentos de percussão.

Outro fator que influencia também é a época ou ciclo que acontecem as apresentações, de julho ao Dia de Reis (principalmente na época do Natal), enquanto os maracatus são apresentados o ano inteiro.

Sem falar que a dança exige muito das pessoas, já que, é bem diferente do maracatu. No Cavalo Marinho os passos são rasteiros para levantar poeira e intercalados com saltos rápidos e vigorosos. As sambadas varam a noite, uma apresentação completa dura nada menos que oito horas, sem intervalos. A apresentação é intercalada com a participação do público e de todos os participantes e a entrada dos personagens. Geralmente, 21 componentes são o suficiente para encarnar todos os personagens.



O Cavalo Marinho, como o Bumba-meu-boi, é uma aglutinação dos Reisados. Ao longo do espetáculo são agrupados cantos, loas, personagens e parte do Boi de Reis. É um verdadeiro auto popular que fala da vida passada e presente do povo. Uma tradição popular que vem se mantendo viva, principalmente durante o ciclo natalino. Não há como ficar indiferente à apresentação desta brincadeira de origem portuguesa e que fincou suas raízes nos costumes do povo da Zona Norte de Pernambuco. Tudo nos leva a achar maravilhoso esta manifestação do folclore pernambucano, desde a música com o seu som característico produzida pelos tocadores da rabeca, pandeiro, ganzá e reco-reco, que se parece muito com as toadas árabes. Os seus divertidos diálogos, suas danças parecem fazer parte de uma espécie de Teatro Mágico.

A história do Cavalo Marinho basicamente é a seguinte: os personagens Mateus e Bastião, que participam do início ao fim da brincadeira, são dois negros amigos, que dividem a mesma mulher, a Catirina, e estão à procura de emprego. Eles são contratados para tomar conta da festa. O espetáculo é costurado ou coordenado pelo Capitão, de quem se origina o nome do folguedo. O nome do capitão é Marinho e ele chega montado em seu cavalo, daí a história dá seu prosseguimento até o momento final, quando o boi é dividido entre os participantes numa grande farra. Ao todo são 76 personagens (humanos e animais), representados em 63 atos.

O espetáculo tem início quando os toadeiros tomam assento no "banco" (orquestra) e saúdam os donos do terreiro e o público. Os primeiros personagens a surgir são Bastião e Mateus, após eles, começa uma sucessão de personagens que vão se apresentando perante o público, que também participa dos diálogos e brincadeiras.

Entre os personagens ou figuras mais participativas do Cavalo Marinho estão os galantes e damas (que representam a elite que vem abrilhantar a festa), o Capitão (dono da terra ou chefe político da área), o Soldado (elemento opressor a serviço do poder), o Caboclo de Arubá ( entidade sobrenatural que canta todas as linhas de Jurema) e o Boi (presença constante na vida do homem do campo). São 6 os galantes e duas as damas.

Antigamente, como só homens dançavam o folguedo, eles se travestiam para representar estes personagens, hoje as mulheres conquistaram espaço tanto na brincadeira como na orquestra. As roupas são enfeitadas com fitas e espelhos e os chapéus têm abas horizontais adornadas com pingentes dourados.

O Capitão ou Mestre é o empresário do folguedo. Usando um apito ele marca o ritmo da música, ordena o início e o término da atuação dos figurantes. Em algumas partes da brincadeira conduz a armação em forma de cavalo e ostenta dragonas no ombro. O Soldado, apesar de usar boné caracterizando um militar, tem no seu traje uma mistura de farda com roupa civil.O Caboclo de Arubá usa calça comum, sem camisa, cocar de pena e óculos escuros. Já o boi é uma armação de tábua ou bambu coberto de tecido pintado com uma caveira de boi no lugar da cabeça que é revestida de papel e os seus chifres são adornados com fitas multicoloridas.

Outros personagens, não menos importantes, surgem no decorrer da brincadeira, contribuindo para o desenrolar do enredo, pontuado pelas toadas cantadas pelos ocupantes dos bancos. Cada integrante, interpreta três ou quatro personagens já que o total de figuras é de 76.
Nos versos que surgem no correr da brincadeira, foi incorporado um palavreado típico do homem da região. Expressões como REAR (ir embora), VAGEM ( lugar onde o boi é amarrado para comer), BARRER (varrer) e SAMBADA (festa, dança). O aspecto religioso está sempre presente no folguedo, no qual são feitas diversas saudações aos Santos e a Deus. O Real, o Fantástico e o Imaginário estão presentes em todo o espetáculo do Cavalo Marinho.


Bem, acho que por isso eu só conhecia a 1ª cena. Não fazia idéia que era assim, tão cheio de detalhes...





CENA I(O Cavalo marinho a dançar e o Coro)

Coro:

Cavalo-marinho
Vem se apresentar,
A pedir licença
Para dançar.
Cavalo-marinho,
Por tua atenção
Faz uma mesura
A seu capitão.
Cavala-marinho
Dança muito bem;
Pode-se chamar
Maricas meu bem.
Cavalo-marinho
Dança bem baiano;
Bem parece ser
Um pernambucano.
Cavalo-marinho
Vai para a escola
Aprender a ler
E a tocar viola.
Cavalo-marinho
Sabe conviver;
Dança o teu balanço
Que eu quero ver.
Cavalo-marinho,
Dança no terreiro;
Que o dono da casa
Tem muito dinheiro.
Cavalo marinho,
Dança na calçada;
Que o dono da casa
Tem galinha assada.
Cavalo-marinho,
Você já dançou:
Mas porém lá vai,
Tome que eu lhe dou.
Cavalo-marinho,
Vamo-nos embora;
Faze uma mesura
Á tua senhora.
Cavalo-marinho,
Por tua mercê,
Manda vir o boi
Para o povo ver.









Nota da autora:
Hahahaha...

Estou sintonizada com a arte (digo isso porque o post de hoje não seria sobre Cavalo Marinho, o post sobre Cavalo Marinho seria o 3º)...

E ao ler o jornal vi um anuncio sobre a ‘Conexão Cavalo Marinho’.

É um evento que vai tem inicio em 18/12 e encerra no dia 21/12. São 8 grupos de Cavalo Marinho, 6 espetáculos de dança e teatro. As apresentações acontecerão no Teatro Hermilo Borba Filho, às 20h. A entrada é franca e as senhas começam a ser distribuídas às 19h.
o mais legal é que entre os grupos que se apresentarão tem um grupo de Olinda, o Cavalo MArinho Boi Matuto, que se apresenta no primeiro dia do evento.
Maiores informações é só clicar na imagem abaixo:

4 comentários:

lula eurico disse...

Lindo, Cecília! As postagens estão dentro mesmo da atmosfera do Sítio! Era tudo o que o Sítio precisava nessa época: os brincantes. Um Natal bem nordestino e popular.
Abraço fraterno.

Sueli Maia (Mai) disse...

Oh! Cecília! que coisa mais linda isto.
Eu estou chegando, já, já...
Cavalo-marinho,
Vamo-nos embora;
Faze uma mesura
Á tua senhora

Até próximo domingo!

Carinho.
Parabéns, Cecília, Destes dinamismo, cor e ritmo ao blog deste pernambubaiano do Carlinhos.

Pernambucanos Arretados disse...

Que lindo. Adoraria ter oportunidade de ver este espetáculo.

Unknown disse...

Gostei muito do seu blog, tem partes que fica muito ruim para ler.
Beijos!