"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







sexta-feira, 31 de julho de 2009

Resenha Poética nº 3 (Por que Niezsche chorou abraçado a um cavalo?)







A postagem original é do blogue do Cláudio Alex FAgundes, mas caiu como uma fruta madura (por que seria caiu como uma luva?) para comentar o Atropelamento, poema lá do Eu-lírico. Leiam e saibam porquê:

Coloco esse pequeno trecho aqui, porque estou pleno de empatia com Nietzche hoje. A cena é uma descrição perfeita de Kundera extraída de "A Insustentável Leveza do Ser".

"Uma vitela-novilha aproxima-se de Tereza, estaca ao pé dela e fica a observá-la demoradamente com os seus grandes olhos castanhos. Tereza conhece-a bem. Chama-lhe Margarida. Gostava de ter batizado todas as vitelas, mas não conseguiu. Não havia nomes que chegassem. Há trinta anos, pelo menos, com certeza que ainda era assim, com certeza que todas as vacas da aldeia tinham nome. (E se o nome é sinal da alma, pode bem dizer-se, custe o que custar a Descartes, que as vacas tinham alma.) Mas, depois, a aldeia tornou-se uma fábrica cooperativa e as vacas nunca mais saíram, durante toda a vida, dos seus dois metros quadrados de estábulo. Deixaram de ter alma e passaram a não ser mais do que — machinae animatae —. O mundo deu razão a Descartes. Ainda tenho nos olhos a imagem de Tereza sentada num tronco, a afagar a cabeça de Karenine e a meditar no fracasso da humanidade.
Ao mesmo tempo, aparece-me outra imagem: a de Nietzsche a sair de um hotel de Turim. Vê um cocheiro a vergastar um cavalo. Chega-se ao pé do cavalo e, sob o olhar do cocheiro, abraça-se à sua cabeça e desata a chorar. A cena passava-se em 1889 e Nietzsche, também ele, já se encontrava muito longe dos homens. Ou, por outras palavras, foi precisamente nesse momento que a sua doença mental se declarou. Mas, na minha opinião, é justamente isso que reveste o seu gesto de um profundo significado. Nietzsche foi pedir perdão por Descartes ao cavalo. A sua loucura (e portanto o seu divórcio da humanidade) começa no instante em que se põe a chorar abraçado ao cavalo.
E é desse Nietzsche que eu gosto, tal como gosto da Tereza que tem ao colo a cabeça de um cão mortalmente doente e que a afaga. Ponho-os um ao lado do outro: tanto um como o outro se afastam da estrada em que a humanidade, — dona e senhora da natureza —, prossegue a sua marcha sempre em frente."




Fonte do texto:
Autor: Cláudio Fagundes
http://claudioalex.multiply.com/journal/item/778

Cláudio Fagundes


Fonte da imagem:
Cavalo chicoteado

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Resenha Poética nº 2



















imagem google




O poeta Eurico publicou no Eu-lírico de hoje (23/07/09) um clamor em forma de poema. Alguém lhe disse que poema é pra ser declamado, lido em voz alta. Ele, que é adepto do poema para ser lido em silêncio e com os olhos sobre a página, conferindo a estrutura gráfica, a pontuação, o tamanho dos caracteres, sua cor, sua textura (rs), de repente me surpreende com um texto para ser lido aos berros. Cadê o poeta do mitologema, dos símbolos, do poema pra ser lido e relido, repensado e reelaborado por cada leitor. É... o que uma crise não faz!
Então decidi não resenhar o poema, mas transcrever a notícia de jornal que, além de outras picuinhas próprias do mundo dos poetas, o fez escrever assim, como dizia Caetano, com a boca no megafone:

"berro pelo Aterro
bebo o desterro
"


A notícia está logo aqui, ipsis litteris:



Até 2012, mais de 33 mil menores serão mortos
Da Folha de Pernambuco - 22.07.2009
www.folhape.com.br
Estudo: Recife e Maceió têm os mais altos índices de homicídios




BRASÍLIA (Folhapress) - Mais de 33 mil adolescentes serão assassinados entre 2006 e 2012, prevê o Indicador de Homicídios na Adolescência (IHA), divulgado ontem pelo governo federal, Unicef e Observatório de Favelas. As cidades do Recife (PE) e Maceió (AL) estão no topo da lista dos piores números entre as capitais, com 6 mortes para cada mil adolescentes. O Rio de Janeiro vem em seguida, com 4,9 mortes. A cidade de São Paulo ocupa o 24º lugar entre as capitais com 1,4 morte a cada mil jovens.
De acordo com o estudo, de cada mil adolescentes que completam 12 anos no Brasil, 2,03 são mortos por homicídio antes de completar 19 anos. Foram analisados dados de 2006 de 267 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes. No panorama geral do País, a cidade de Foz do Iguaçu (PR) lidera o ranking de mortes violentas entre adolescentes, com 9,7 mortes para cada grupo de mil adolescentes. Em seguida vem Governador Valadares (MG), com 8,5 mortes e Cariacica (ES), com 7,3 mortes.
Em números absolutos, porém, a capital paulista tem o segundo maior número de mortes de adolescentes entre as capitais, com 1.992 mortes, atrás apenas da cidade do Rio de Janeiro, que tem 3.423 mortes.
Nancy Cardia, coordenadora-adjunta do Núcleo de Estudos da Violência da USP, aponta que, com exceção de Rio e São Paulo, as regiões metropolitanas sofreram um processo de expansão mais recente e, em consequência, têm uma estrutura urbana mais precária.
Ainda segundo ela, estudos mostram que uma série de problemas das cidades está relacionada à violência com crianças e adolescentes: o fato de as crianças mais pobres permanecerem menos tempo na escola e ficarem a maior parte do tempo sem a supervisão de adultos, por exemplo, faz com que elas fiquem mais tempo expostas.

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Nota: e saibam todos que diminuímos a mortalidade infantil por desnutrição, doenças, etc. Os menores estão sendo mortos é à bala, mesmo.

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Resenha Poética Nº 1 (prolegômenos)






















Prolegômenos, até dispensáveis...

A nossa parceria é antiga. Vem desde a meninice. Eu sou quase um amigo invisível do Lula. Quem é o Lula? Ah, o Lula é o poeta Eurico, que tem o nome do avô: Luiz Eurico de Melo Neto. A coisa é tão de amigo, que ele inventa essa história de resenha, e não me avisa com antecedencia. Mas, como tenho na gaveta, coisas do tempo do Eu-lírico em papel, tempos românticos em que xerocávamos os nossos zines e enviávamos pelo correio pra o Brasil quase todo. Eita trabalheira! Bem, como tenho algo que serve pra ocasião, vou transcrever aqui, logo abaixo, o comentário da edição nº 10 - jun/jul-1996, do zine Eu-lírico, cuja capa, chamada O Ninho, escaneei, e serve como ilustração dessa Resenha nº 1.

Obs.: a capa é uma collage de autoria do compadre Lula.

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OPUS ALCHYMICUM
.............por Carlinhos do Amparo

Vejam que instigante afirmativa da Dra. Nise da Silveira (in Jung-vida e Obra, p. 160):

"o mundo do poeta é um mundo de imagens arquetípicas".

E continua, a saudosa Mestra:

"essas imagens prescindem da lógica e da sintaxe comum, posto que emersas das funduras imensas do inconsciente, de onde trazem as intuições primordiais"...(e, atalho eu, por que não dizer, mitopoéticas? rsrs)


Concluo, a partir da do que disse a Dra. Nise da Silveira, (e no âmbito brevíssimo e restrito deste comentário), que os símbolos alquímicos originam-se, bem como as imagens poéticas, no ventre do inconsciente coletivo, e serão reencontradas nos sonhos e na imaginação dos povos de todas as épocas.
Evidenciam-se, junguianamente, confluências entre essa linguagem poética, hermética e obscura e a linguagem dos bizarros textos da alquimia. É que o artista, como o alquimista, segundo o próprio Jung, exprime a fala inconsciente e ativa da humanidade, tornando acessíveis a todos as fontes da vida.

Então, pergunto:
surgirá a Poesia, sob o fulgor dessa revelação interior, quase filosofal, alquímica, e numinosa?

E ainda:
há, na alma do poeta, uma protopoesia, fruta inextinguível das experiências lírico-pensantes dos homens, que ora se apresenta de maneira irrealista, onírica e abstrata?

(Olinda, meados de julho de 1996)

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Mais um dedinho de prosa (em 22/07/09, hoje, portanto)

Sobre o tal esoterismo euriquiano, eu devo discordar. Não de quem pensa isso, mas dele, do meu compadre. Como é que ele me faz uma postagem ilustrada pela Escada de Jacó, símbolo esotérico dos pedreiros-livres, e ainda cita o Octavio Paz, dizendo ser a escada símbolo da "humilhação da pedra", ali na barra lateral, põe um título meio maçon, com um subtítulo totalmente maçon,e não quer que o rotulem de esotérico. Ora, meu compadre, isso é puro esoterismo. Não me venha enganar com o tag junguiano da individuação, pois isso é só pra despistar o leitor, que eu bem te conheço! A Escada de Jacó remete à evolução espiritual e isso o compadre não vai querer esconder, né? Tá bom, há um metapoema escondido aí, mas... sei não. Estás meio esotérico, compadre velho! rsrsrs
(Desculpa, compadre, mas, o senhor me pediu pra comentar, eu comentei! Eu num sei mentir!) rsrsrs

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sábado, 18 de julho de 2009

Decálogo de um Urso Polar: Drummond





Prezado compadre Carlinhos, peço licença para postar em teu Sítio, posto que o Eu-lírico está, doravante, terminantemente vedado à prosa. O que me traz aqui é uma angústia, uma aflição repentina, de que fui acometido por esses dias. Lendo os mais premiados escritores de nosso tempo, cá no Brasil, percebi que o que escrevo não está em sintonia com nada, nem com ninguém: meus contos são longos e cheios de ilações filosóficas, meus poemas tem temáticas estranhas e alienadas, e o meu romance, interminaaaável, não passa de uma colcha de retalhos, ou de elementos de uma gestalt jamais fechada. Antes de entrar em crise, fui ver o que pensavam meus gurus. Com eles é que aprendo sempre. Pois, como se sabe, não há faculdade de escritores, né mesmo? Disso já falamos aqui. Pois bem, fui pesquisar o que dizia do ofício poético, da escrita mesmo, o, tão tímido mas tão vigoroso com as idéias, Carlos Drummond de Andrade. E o Google me revelou essa santa entrevista por telefone, colhida pelo Geneton Moraes Neto, que aqui transcrevo (ou seja, copio e colo, com grifos meus, rsrsrs). Com isso apaziguou-se, ou quase isso, em minha alma, essa sensação de escrever meio "naïf", meio sem teoria, sem conhecimento da norma culta da língua. A sensação de escrever por catarse, para curar meus medos, tendo como embasamento teórico, só, e tão sómente só, o lirismo que trago desde adolescente. Mas, leiamos o Mestre:



CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: "O JORNALISMO É UMA FORMA DE LITERATURA"


Atenção, pesquisadores de curiosidades zoológico-poéticas: o apartamento 701 do prédio número 60 da Rua Conselheiro Lafayette, em Copacabana, era palco diário de uma cena esquisita. Lá, um urso polar adorava falar ao telefone.
O auto-intitulado “urso polar” chamava-se Carlos Drummond de Andrade. Desde que virou uma quase unanimidade nacional, Drummond ergueu em torno de si uma couraça para se proteger das investidas do mundo exterior. Era o exemplo acabado do mineiro arredio. Usava uma suposta timidez – desmentida por amigos íntimos – para manter longe de si, na medida do possível, as inconveniências da celebridade, descritas nos versos amargos do poema “Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz”:


“Ah, não me tragam originais
para ler, para corrigir, para louvar
sobretudo, para louvar (...)

Respeitem a fera. Triste, sem presas, é fera(...)


Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta
quando nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguarda comandando :

Cacem o urso polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência (...).



Durante décadas, Drummond fugiu dos pedidos de entrevista. Preferia repetir a resposta-padrão: tudo o que tinha a dizer estava em seus poemas e crônicas. Mas mantinha um flanco aberto: o telefone. Amigos chegaram a definir Drummond como um “ser telefônico”. Ziraldo escreveu que Drummond era “ao telefone, um derramado, com uma voz entre rouca e afunilada, meio tênue e fina, com a respiração difícil como quem tem desvio de septo”.
O “urso polar” cultivava esta pequena esquisitice: sempre que podia, fugia do contato pessoal, mas se mostrava surpreendentemente acessível às investidas telefônicas de intrusos como, por exemplo, este locutor-que-vos fala.
Um dos editores do Jornal da Globo, cultivei, pelos idos de 1986, o hábito de incomodar o poeta pelo telefone, em busca de declarações que eram transformadas, no ar, em frases que exibiam a assinatura de Drummond. O poeta jamais se esquivou de fazer rápidos comentários. A uma pergunta sobre o que pensava de uma reunião de professores de países de língua portuguesa em Lisboa para discutir uma proposta de unificação ortográfica,Drummond – tido como um dos maiores poetas já produzidos pela língua portuguesa – deu uma resposta tipicamente drummondiana :

- “Considero-me um usuário, não o proprietário da língua. Não sou filólogo, não sou professor, não sou gramático. Sou um leigo em língua portuguesa”.

Tive a chance de entrevistar outro gigante da poesia brasileira,o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto,sobre a idiossincrasia telefônica de Drummond :

- “Era uma coisa engraçada: pessoalmente, ele falava menos” – constatava Cabral. “Mas tinha uma conversa longuíssima ao telefone. Quer dizer: quanto mais longe a pessoa, mais afetuoso ele era. Tenho a impressão de que ele não gostava era do contato físico”.



O telefone terminou se transformando no caminho das pedras para a obtenção daquela que seria uma das maiores entrevistas já concedidas por Drummond. Em julho de 1987, Drummond respondeu a setenta e seis perguntas que lhe fiz por telefone, em duas sessões. Transcrita,a gravação da entrevista rendeu cerca de duas mil linhas datilografadas. As palavras do urso polar ficam. Recolho um possível decálogo de nossa entrevista:



1. ”Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão de que daqui a vinte anos – e eu já estarei no cemitério São João Batista – ninguém vai falar de mim, graças a Deus. O que eu quero é paz”.

2. ”A solidão em si é muito relativa. Uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou artísticos, uma pessoa que gosta de música, uma pessoa que gosta de ler nunca está solitária, nunca está sozinha. Terá sempre uma companhia: a imensa companhia de todos os artistas, todos os escritores que ela ama, ao longo dos séculos”.

3. ”Não fiz nada organizado. Não tive um projeto de vida literária. As coisas foram acontecendo ao sabor da inspiração e do acaso. Não houve nenhuma programação. Por outro lado, não tendo tido nenhuma ambição literária, fui poeta pelo desejo e pela necessidade de exprimir sensações e emoções que me perturbavam o espírito e me causavam angústia. Fiz da minha poesia um sofá de analista. É esta a minha definição do meu fazer poético”.

4. ”A popularidade nada tem a ver com a poesia. A popularidade pode acontecer. Mas um grande poeta pode também passar despercebido”.

5. ”Tive apenas o desejo de exprimir minhas emoções. Eu sentia necessidade de que eles se soltassem; era um problema mais de ordem psicológica do que de outra natureza”.

6. ”O jornalismo é uma forma de literatura. Eu, pelo menos, convivi – e mil escritores conviveram- com uma forma de jornalismo que me parece muito afeiçoada à criação literária: a crônica”.

7.”O que lamento é que as novas gerações já não tenham os estímulos intelectuais que havia até trinta ou quarenta anos passados.As pessoas que sabiam escrever a língua se destacavam na literatura e nas artes em geral.Hoje em dia,há escritores premiados que não conhecem a língua natal”.

8. ”Sou uma pessoa terrivelmente corajosa, porque não espero nada de coisa nenhuma”.

9. ”Considero-me agnóstico. Sou uma pessoa que não tem capacidade intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se existe ou não existe uma divindade”.

10. ”Minha motivação foi esta : tentar resolver,através de versos,problemas existenciais internos.São problemas de angústia,incompreensão e inadaptação ao mundo”.



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Permitam-me um pós escrito, em postagem tão longa:

É nesses grifos acima, e apenas neles, que me vejo um escritor
como o Drummond. Jamais na forma de escrever as
angústias, longe mim. Nisso Drummond é inimitável.
Mas isso que Drummond afirma como "poética de divã"
é o que chamo de lirismo. Nesses moldes, sou um poeta
profundamente lírico, apesar de me perpassarem os ecos
de tantas leituras feitas, nos livros e na vida.

Abraço fraterno.


(*) Geneton Moraes Neto é autor de “Dossiê Drummond” (Editora Globo), livro que traz a íntegra da entrevista de Carlos Drummond de Andrade, além de depoimentos de 45 personalidades brasileiras sobre o poeta.

Fonte do texto:
http://www.geneton.com.br/archives/000063.html
Posted by Geneton at abril 15, 2004 12:56 AM


Fonte da imagem:
Carlos na sua biblioteca

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