"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







domingo, 7 de agosto de 2011

CLÁSSICO E PSEUDOCLÁSSICO (ou um naïf-reflexivo)


Fernando Pessoa

Orhan Pamuk



VII
Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo
E a suas leis, o verso;
Que, quando é alto e régio o pensamento,
súdita a frase o busca
E o escravo ritmo o serve.


Ricardo Reis (Fernando Pessoa)






Presenteia-me, mui gentilmente, um colega de ofício, com a revista de idéias e ensaios, SERROTE. Indica-me, especialmente, o texto do nobel de literatura 2006, Orhan Pamuk, que num mergulho no Schiller de Sobre a Poesia Ingênua e Sentimental, discorre sobre a atitude ora naïf, ora reflexiva de leitores (e autores), ao escrever/ler uma obra.

Essa interessante abordagem levou-me, de imediato, ao poeta português Fernando Pessoa.


Ninguém jamais foi escritor sem ter essa angústia de expressão entre o reflexivo e o emocional, de que trata Pamuk, em seu ensaio. Por isso Ricardo Reis (Pessoa) já cuidava dessa dicotomia entre idéia e sentimento, em certo apontamento sem data que abre Ficções do Interlúdio/4 – poesias de Álvaro de Campos. (minha edição é de 1983):


“Desde que se usa de palavras , usa-se de um instrumento ao mesmo tempo emotivo e intelectual.”, dizia o Mestre Reis.


E mais adiante:


“O que distingue a arte clássica(...) da arte pesudoclássica é que a disciplina de uma está nas mesmas emoções, com uma harmonia natural da alma, que naturalmente repele o excessivo, ainda ao senti-lo; e a disciplina da outra está em uma deliberação da mente de não se deixar sentir para cima de um certo nível. A arte pseudoclássica é fria porque é uma regra; a clássica tem emoção porque é uma harmonia.”


Por isso, Reis discorda de Álvaro de Campos, quando ele afirma que "o poeta vulgar sente espontaneamente e projeta essa emoção nos versos", e que , só depois, ao refletir sobre os cânones literários, "sujeita essa emoção a cortes, retoques, e outras mutilações", obedecendo a uma regra exterior:


“Nenhum homem foi alguma vez poeta assim. A disciplina do ritmo é aprendida até ficar sendo parte da alma: o verso que a emoção produz nasce já subordinado a essa disciplina(...) a emoção dá (à frase) o ritmo e a ordem que há nela, a ordem que no ritmo há.”


Quando o pensamento do escritor ou do poeta está imbuído de uma idéia que produz uma emoção harmônica, já leva ao fraseado o equilíbrio da emoção e do sentimento, e a frase "súdita do pensamento que a define, busca-o, e o ritmo, escravo da emoção que esse pensamento agregou a si, o serve,” como diz o verso final da ode que abre esta postagem.


Pessoa já havia resolvido, senhor que era do seu ofício, essas questões de que hoje ainda se ocupam os escritores contemporâneos. Não há predominância da idéia sobre a emoção, nem o contrário. Sendo a palavra um instrumento emotivo-intelectual, fica abolida essa dicotomia entre o escritor naïf e o reflexivo. Basta-nos, a nós os naïves, alcançarmos a disciplina de um Fernando Pessoa. Basta isso! Nada mais, nada menos. É pouco?


Fonte do texto:
UM CRONIST'AMADOR