"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Brincantes I

O Natal está chegando, é hora de falar sobre os Brincantes Natalinos.

E hoje começo uma serie de posts falando sobre os
brincantes natalinos: Pastoril, Cavalo-Marinho, Bumba-Meu-Boi, Reisado, Fandango, Queima da Lapinha.

O mais conhecido em Recife e Olinda é o Pastoril, mas atualmente não é mais tão comum ver apresentações, cada vez mais raras, mas as escolas e prefeituras ainda tentam resgatar a tradição natalina.

Existem dois tipos de Pastoril, o Religioso e o Profano
(confesso que conheci primeiro o profano).

O Pastoril é um folguedo popular dramático de origem européia, representado entre o Natal e a Festa de Reis (05 de janeiro), em vários Estados do Nordeste brasileiro. São cordões com diversos personagens, entre as quais as pastoras ou pastorinhas, que cantam e tocam maracá. De origem religiosa, também é denominado Presépio.

Segundo Pereira da Costa, o uso de Presépios em Portugal teve início no Convento das Freiras do Salvador, em Lisboa, em 1391, levantando-se no meio do templo uma armação representando o Estábulo de Belém, com figuras que representavam a cena do nascimento de Jesus.

Depois, já no século XVI, foi o assunto dramatizado, teve entrada no teatro e é talvez daí que vem o auto hierático português, de tão variados assuntos.

No seu Dicionário do Folclore Brasileiro, Luís da Câmara Cascudo assim define o Pastoril: cantos, louvações, loas, entoadas diante do presépio na noite do Natal, aguardando-se a missa da meia-noite. Representavam a visita dos pastores ao estábulo de Belém, ofertas, louvores, pedidos de bênção.

Os grupos que cantavam vestiam de pastores, e ocorria a presença de elementos para uma nota de comicidade, o velho, o vilão, o saloio, o soldado, o marujo, etc. Os pastoris foram evoluindo para os autos, pequeninas peças de sentido apologético, com enredo próprio, divididos em episódios que tomavam a denominação quinhentista de "jornadas" e ainda a mantêm no Nordeste do Brasil.

No Brasil e mais precisamente em Pernambuco, segundo Pereira da Costa, o aparecimento do presépio vem, talvez, dos fins do século XVI, no Convento dos Franciscanos em Olinda, por iniciativa de Frei Gaspar de Santo Antônio, primeiro religioso a receber hábito no Brasil. Já Fernão Cardim, o Jesuíta, nos dá uma indicação em que talvez possamos detectar as origens do Pastoril brasileiro, por conta de uma representação em 1584, no dia 5 de janeiro ou no dia dos Reis, como consta num documento, também citado por Mário de Andrade em Danças Dramáticas do Brasil - 1º Tomo: "Debaixo da ramada se representou pelos índios um diálogo pastoril, em língua brasílica, portuguesa e castelhana, e têm eles muita graça em falar línguas peregrinas, maximé a castelhana. Houve boa música de vozes, flauta, danças, e dali em procissão fomos até a igreja com várias invenções".


O PASTORIL EM PERNAMBUCO

É curioso observar que nos séculos XVII e XVIII, os estudiosos não encontram referências importantes sobre o pastoril na Colônia, mas já no século XIX, concordam que houve abundância dos bailes pastoris, principalmente no Nordeste e notadamente, em Pernambuco e na Bahia, com publicações de textos, a exemplo de Sylvio Romero e Pereira da Costa.Para Mário de Andrade, é curioso observar que essa dança dramática não teve uma repercussão nacional (apenas no período oitocentista o pastoril teve seu brilho e apogeu), diferente dos presépios que se tornaram tradição em todo o país, talvez, como ele afirma, por ser um fenômeno de imposição burguesa. Assim no Recife e nas outras cidades do Nordeste, em frente aos presépios ou lapinhas, as pastoras cantavam loas, tornando o presépio não só forma animada, mas dramática, ao lado da representação estática da Natividade. Fica evidente que a dramatização do tema permitia uma fácil compreensão em torno do episódio do nascimento do Cristo. Desta forma, a cena tomava vida, com a introdução de recursos visuais e sonoros. Para Hermilo Borba Filho, essa dramatização traz a influência do auto sacramental espanhol, na sua forma literária.


PROFANO- RELIGIOSO

Ao enveredar por outros caminhos, o Auto Pastoril transforma-se em sincretismo profano-religioso, tornando-se, muitas vezes, em profano, com suas características que ressaltam a licenciosidade do Velho do Pastoril e a sensualidade das Pastoras.

No Recife, por volta de 1840, começaram a aparecer sociedades com o fim de dirigir com solenidade, brilhantismo e decência o natalício do Messias, por meio de representações teatrais, tais como a Sociedade Natalense e a Sociedade Nova Pastoril, conforme registra Pereira da Costa. Com a formação dessas sociedades, os pastoris passaram a ter uma forma literária, de modo que transformavam-se em espetáculos, contando com poetas, escritores e artistas que criavam letras e músicas. Dentre tantos que contribuíram nesse período, há que se destacar os irmãos Valença - João e Raul que apresentavam, quase todos os anos, um Presépio, assemelhado com os autos hieráticos oitocentistas. Ascenso Ferreira revela que, no Recife, o avô de João e Raul Valença encenou, pela primeira vez, um Presépio em 1865, no auge da Guerra do Paraguai. A tradição foi mantida até 1900 pelo pai dos dois irmãos compositores já citados, que após alguns anos de interrupção, assumiram a volta ao tablado do Presépio, no Sítio Valença, localizado entre a Madalena e o Zumbi, com as mesmas características de auto sacramental. Os personagens utilizados pelos irmãos Valença eram: Culpa, Libertina, Religião, Graça, Gabriel, Pastoras, Lusbel, Mestra, Diana, Contra-mestra, Eva, Argemiro, Monge, Flora, Herodes, Centurião e Cingo.

Fica claro também que, enquanto as sociedades tentavam manter um controle moral e religioso, evitando enxertos de cenas burlescas e licenciosas, os Pastoris ditos profanos abundavam nas pontas de ruas, alterados em suas formas originais, contando com a participação dos espectadores na animação das cenas, fugindo do enredo e da temática e, como diziam os mais arredios, irreverentes, licenciosos e imorais.

Os esforços das sociedades para manterem a seriedade do ato sagrado que se pretendia reproduzir, repercutia também na imprensa: os jornais da época censuravam o ar indecente de que se revestiam certos presépios, com opiniões que indicavam que a Polícia devia impedir as apresentações, no zelo pela moral pública e pelos bons costumes. Há registros, de 1840, dessas denúncias, por exemplo, no jornal O Carapuceiro, do Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, conhecido como o Padre Carapuceiro e por suas críticas de costumes na primeira metade do século XIX.

É certo que o Pastoril teve seu grande momento nos primeiros vinte e cinco anos desse século, sendo representado por iniciativa de leigos, mas sem perder sua ligação com festas religiosas, principalmente, como já foi dito, do Ciclo Natalino. Por outro lado, os Presépios sempre foram encenados por jovens e meninas de família, que paramentadas de pastoras angariavam prendas, como flores, bolos, perfumes, frutas, que se transformavam em prêmios dos leilões realizados em benefícios de instituições religiosas ou obras de caridade.A partir de então os pastoris se espalharam pelos bairros atraindo sempre um público certo e participativo e, evidentemente que, com mais licenciosidade, atraíam os homens. Dentro da estrutura do auto, as pastoras com seus pandeiros ou maracás, cantam e dançam ao som da orquestra de pau e corda mas sua formação dependia dos recursos financeiros do grupo. Algumas traziam pistão, trombone, clarinete, bombo. Outras se apresentavam com violões, cavaquinhos, com um instrumento de sopro solista.

No meio dos dois cordões, cada um comandado pela Mestra (cordão azul) e Contramestra (cordão encarnado), encontramos a Diana, vestida metade azul, metade encarnado. O Velho, conhecido como Bedegueba, mas que toma diversos apelidos é uma espécie de bufão, de palhaço de circo, que comanda as jornadas (cantos das pastoras) e se esparrama em piadas, numa atuação que ressalta o histrionismo, a improvisação. Seus diálogos com as pastoras são cheios de duplo sentido e, com o público, puxa discussão, brincadeiras, faz trejeitos e canta canções adaptadas às suas necessidades. Dentre os outros personagens do pastoril profano, também desfilavam o Anjo a Estrela do Norte, o Cruzeiro do Sul, a Cigana, além de outras figuras que aparecem ocasionalmente por influência do local, da região.Hoje o pastoril perdeu em sentido hierático e lírico, mas transformou-se num gênero popular de representação, diferenciado e que atingiu sua própria forma. Não é questão de involução, mas de interferência dos artistas populares que com os seus espíritos inquietos e brincantes conduzem esses folguedos.


"Nós somos do encarnado
A cor do nosso coração
Os nossos partidários
Quando entramos em cena
Vibram todos de emoção

Nós somos do azul
A cor do nosso céu de anil
Os nossos partidários
Quando entramos em cena
A todos sorriso mil. "

Religioso e Profano

PS:
Os destaques entre as festividades natalinas em Olinda vão para a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim (1758) e para o Palácio dos Governadores onde ocorre o "Natal no Palácio", com apresentação de Auto de Natal, pastoris, danças folclóricas e corais.

PS¹:
Este ano uma exposição (Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco – MAC) de Presépios abriu o Ciclo Natalino de Olinda, no dia 09/12. A mostra reúne peças da coleção particular da atriz pernambucana Geninha da Rosa Borges, a coleção completa conta com quase 400 presépios. No MAC, estará exposta parte desse acervo, do qual fazem parte obras de artesãos de Caruaru, Tracunhaém e Petrolina, além de trabalhos oriundos de países como Japão, Tailândia, Estados Unidos, França e China.

PS²: Ao Clicarem nas imagens serão direcionados ao site de onde foram retiradas.

3 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Ei compadre. Estou adorando esse passeio que agora faço pelo seu sítio. Que bom! por aqui, tudo é cultura, e em especial, nesse cantinho - Auto Pastoril - enriqueço-me com esse patrimônio de tantas belezas no cenário de Olinda.

PS: Ando em falta com o seu compadre, é que eu e o Eurico estamos vivendo uma brincadeira gostosa no AO e isso tem me tirado tempo para visitar meus amigos. Mas, diga ao Eu-lírico que logo logo a brincadeira termina e...
Beijos

Jacinta Dantas disse...

Ei compadre Carlinhos, volto para prestar a devida homenagem à Cecília, sua hospede, que nos brinda com essa aula regional, intitulada brincantes natalinos.
Beijão Cecília

Carlinhos do Amparo disse...

Jacinta, diga lá pro meu cumpadi q venha corendo se não vai perder o pastoril da Cecilinda. Vai ter de um tudo: cavalo marinho, ciranda, e até aquelas pastorinhas profanas, q são uns amores...rsrsrs