"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







sábado, 4 de abril de 2009

Epístola quase pirata: A cultura é um prius?


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Pois é, compadre,

Essa retórica por desfecho, implícita na forma de abordar o tema pelo Dr. Crippa, é o que eu iria tentar fazer nessas cartas. Desfecho, mesmo, só no final.
Mas, vacilei, e já que lhe adiantei o mote na carta anterior, vou piratear (copiar e colar) a proposição pela qual o Dr. Crippa irá pugnar durante todo o seu livro:

“a cultura não é aquilo que o homem faz, mas o contrário, é aquilo que faz com que o homem seja um determinado homem. Não pode ser uma realização do homem porque o homem, ele mesmo é o resultado da cultura.”

Vejamos o que ele sugere à p. 10, de seu Mito e Cultura:

"Se cada pessoa humana nasce com determinada fisionomia física e espiritual, é porque uma realidade constitutiva antecede as livres opções individuais e as decisões coletivas."

E prossegue:

"A cultura precede o homem e lhe oferece as possibilidades de agir e de fazer. O homem não poderia inventar a cultura, por mais que realizasse obras singulares nos diversos campos em que seu espírito possa se manifestar. O homem não cria a cultura. Ao contrário, ele é constituído pela cultura, nele mesmo, no seu mundo, na sua linguagem, nos seus valores. A cultura seria assim uma anterioridade absoluta frente à liberdade, uma anterioridade absoluta frente à imaginação, uma anterioridade absoluta frente à linguagem.
Os homens não criam a linguagem. Para isso teríamos que imaginar um povo não falando nada e, de repente, reunido, acertando sons, imagens, conceitos, ou seja, descobrindo ou escolhendo uma certa maneira de falar. Ou então um conglomerado de entes, que humanos não seriam ainda, escolhendo os símbolos, as formas de suas manifestações no campo da religião, da arte e da ciência. Isso é algo impossível. A cultura seria assim um precedente absoluto frente à consciência e frente à liberdade. Nenhum homem nasce por acaso e do nada. Nenhum homem surge absolutamente perdido no espaço. Há uma anterioridade determinante."

Finalmente, citando textualmente o filósofo paulista Vicente Ferreira da Silva, assim arremata o Dr. Crippa:

"Não se tem um exemplo sequer, empiricamente constatável, do aparecimento de uma civilização ou de uma cultura, a partir da deliberação e da vontade dos indivíduos. Nunca assistimos ao nascimento de uma cultura . . . Para que haja uma ação ou interação entre indivíduos, já deve estar previamente inaugurado o teatro social de uma ação culturalmente relevante. Uma cultura é um prius absoluto em relação a qualquer criação de bens ou de instituições derivadas..."¹


Acho que não me contive e já entrei no desfecho.
Mas, como o que estou postando ao compadre são meras cartas e não dissertações, fica assim mesmo.
E assim me despeço, pois acho que essa prosa já se alonga demais.
Seu compadre e amigo
Eurico
(Ah, compadre, prius é uma anterioridade absoluta, o que vem antes de tudo.)

¹
www.tropicologia.org.br/CONFERENCIA/1983cultura_brasil.html#nota3


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