"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







sexta-feira, 24 de maio de 2013

RECORDAR É VIVER (breve defesa da evocação)

















Adão, se existiu, só houve um. Ninguém mais pode ser o primeiro homem. Ser adâmico é não ter pretérito. Só presente e futuro. Essa é uma impossibilidade humana. Só Adão não tem passado.   Mito do ser-inaugural, antes dele nada havia a recordar. Pra nós, pobre humanos, a recordação é necessária e vital. Recordar é viver, literalmente.  Digo isso àqueles que teimam em negar o passado, como se sua sombra frondosa não estivesse sobre tudo e todos. Há coisas irremediavelmente feitas desse tecido, que, por mais que queiram alguns, sustém toda a tessitura do presente. Coisas fundantes e vitais, tais como a língua que falamos, as ciências, as artes. Quem há de supor uma língua toda ela feita de elementos do presente? Ou uma ciência que tente se erigir de um zero dos saberes? Há possibilidade da recriação da roda, do plano inclinado, do ponto e da reta?
Por isso, se todos somos feitos de passado, mesmo os que o negam, não há pecado algum em evocar, como não há mal nenhum no futurista. A evocação é a irmã que abre a porta ao vaticínio. E não é por acaso que o poeta já dizia:

“... que as crianças cantem livres sobre os muros 
e ensinem sonho ao que não soube amar sem dor 
e que o passado abra os presentes pro futuro, 
que não dormiu e preparou o amanhecer...” (Taiguara)