"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."
(Clarice Lispector )
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."
(Clarice Lispector )
sexta-feira, 30 de julho de 2010
“Eu Sou Eu e Minhas Circunstâncias”
"De manhãzinha, passo pela minúscula oficina do chaveiro. A porta da oficina mal passa de um metro de largura... rosto sério, lá está ele, o dono da oficina - magro, bigode grosso, camisa para fora da calça jeans bastante surrada. Antes que apareça o primeiro cliente, ele varre o trecho de calçada subentendido pela estreita porta da oficina. E varre meticulosamente, escarafuncha com a vassoura piaçaba as gretas da calçada, e até olha em volta para ver se restou algum cisco.
Varre com o respeito que teria pela sala da sua casa... afinal, é dali, dessa absurda mesmice, que ele tira o pão de cada dia. Não é muito o ganho que entra por aquela porta estreita, mas, é uma vitória conquistada a cada dia... e sem suar o rosto: ele se amolda ao que faz!
Depois, guarda a vassoura num cantinho, e recolhe-se atrás da bancada, a fazer chaves, o dia inteiro... À tarde, vejo-o baixar a porta de ferro da oficina, com todo o cuidado. Dia seguinte, novamente varre a caçada... No circo da vida, ele trilha um círculo do mesmo diâmetro, sempre e sempre... Quem tem como ofício abrir portas, talvez tenha se habituado a não abrir certas portas em si mesmo; dúvidas não ajudam a quem vive da mão para a boca! Ele é a própria reafirmação de que o sujeito é o sujeito inteiro - ele é ele e as suas circunstancias. Eu, ele e as demais pessoas do verbo também - a vida é essa planura aborrecida..."
[Penas do Desterro, 07 de novembro de 2009]
Postado por Carlos Rodolfo Stopa às 12:30 PM
Fonte do texto:
http://mundareus.blogspot.com/2009/11/eu-sou-eu-e-minhas-circunstancias.html
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NOTA DO BLOGUEIRO:
(em atenção ao amigo Éverton Vidal, do blog Re-novidades)
Por duas vezes o amigo Éverton me disse da sua intenção de ler Ortega y Gasset. Esse é o motivo da transcrição da postagem acima: Prosear acerca de Ortega, aqui neste agradável Sítio, em que, vez ou outra, colaboro com meu compadre Carlinhos.
Do que diz o Carlos Stopa, não concordo apenas com a frase final. Embora o texto seja primoroso. O autor afirma que a vida é "uma planura aborrecida" (sic). A vida pode ser plana ou montanhosa, mas a vida é sempre que-fazer, ou seja, a vida, a tua, a nossa vida (a biográfica e não a biológica) não nos é dada pronta, mas é o mote, no qual faremos a glosa de nossa existência. O sentido aborrecido ou não desta 'planura', cabe a nós realizar. (E isso já é pensamento orteguiano...)
Mas antes que me estenda, explico ao Éverton o que trouxe até aqui o texto do Stopa. É que o título dessa postagem é a condensação da filosofia orteguiana. A frase, no entanto, está incompleta. Ortega afirma que " eu sou eu e minhas circunstâncias, e se não salvo a elas não me salvo a mim". O chaveiro da crônica do Stopa está imerso em sua vida, executando-a, e só a ele cabe adjetivá-la, dar-lhe um sentido. Para isso, precisa "saber a que se ater". Isso é o que faz a filosofia de Ortega. Aliás, isso é o que faz toda filosofia digna do nome. O cronista, embora talentoso na forma, apontou apenas parte da visão orteguiana do binômio "eu & minhas circunstâncias", mas só parte. É isso o que quero salientar nessa nota de blogueiro.
Pois bem: inicio, a partir desta, uma série de postagens sobre a filosofia de Ortega y Gasset, que ando relendo, e que, em verdade, dá suporte a muita coisa do que escrevo em prosa ou poesia. Orteguianamente, busco saber a que me ater. Ou seja, vivo. Viver já é filosofar.
Grato pelo espaço, compadre.
Luiz Eurico de Melo Neto
Fonte da imagem:
quiosque do chaveiro