"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







terça-feira, 2 de junho de 2009

A Cartada Final: Mito e Cultura - Adolpho Crippa

Giselle Bundchen, entronizada sobre os ameríndios .
(um mito moderno, explorado em peça publicitária)


Prezado Compadre Carlinhos,

Vim, afinal, concluir essas tais cartas, com uma “cartada final”.
Para isso, revisemos a carta da postagem anterior:

Para o nosso resenhado, o Dr. Adolpho Crippa
“há uma linguagem primordial, da mesma maneira que há um residir antes do habitar, um sentir e um imaginar que antecipam as expressões artísticas, uma manifestação primordial do sagrado antes de uma verdadeira experiência religiosa.”
Baseado nessas premissas, o sábio culturalista brasileiro chega à conclusão de que:
“para agir e expressar-se em formas e atividades significativas, o homem deve estar dotado de formas radicais que tornem possíveis tais expressões.”Foi a essa altura da prosa que lancei a minha interrogação, feito quem joga um curvo anzol na ponta de uma linha invisível. Questionava eu, ao final da carta anterior:

Se o espírito humano necessita dessas formas radicais que preexistiam numa anterioridade absoluta, num prius, de que instância recolhe o homem essas protoformas que orientam sua força imaginativa e criadora?


Agora é que a porca torce o rabo!

E essa ancestral imagem do rabo da porca, quase arquetípica, que simboliza um nó, ou o esforço do suíno para resolver algo, lá no seu chiqueiro, essa imagem nos ajudará a investir contra os moinhos de vento das nossas interrogações .
E por falar em moinhos de vento, aí está outra analogia quase mítica, que nos vem sendo ditada, desde Cervantes, há uns 400 anos atrás.

Quase que eu digo, no parágrafo anterior, o nome dessa instância em que vivem as tais protoformas do Dr. Crippa, que até lembram aquilo que Platão chamava de idéias, mutatis mutandis. Portanto, essas singelas imagens dos moinhos de vento, ou mesmo do rabinho torcido da bacorinha, são o que chamamos de deslocamento metonímico, ou metafórico, Um jeito que a mente humana encontrou de concentrar o que se quer enunciar, numa só imagem. Mal comparando, também, lembram os anagramas chineses. Pois é, compadre, essas analogias, quando condensam formas primordiais, de cunho profundo, guardadas no inconsciente coletivo, são os chamados mitologemas.

Mitologemas?

Mitologema ou mitema significa a imagem mítica essencial, que compõe, associada a outras, uma estrutura mitológica dramática, em si mesma completa. (Roberto Gambini)

Exemplo simples de mitologema, ou mitema:

Quem já ergueu um bebê e o jogou pro alto, num movimento de sobe e desce, não percebe que esse gesto lembra algo antiquíssimo, como o erguer de uma oferenda, ou da hóstia dos cristãos. Algo que se remete para o alto, à divindade. Esse é um exemplo próximo e simples do que pode ser um mitologema.
Outro mitologema, mais denso e remoto, gerador de mitos, é a sensação do queda de sol no crepúsculo. O sol poente. O sol ocidente. O Ocidente. A terra do crepúsculo.

Pois bem, os mitemas, ou mitologemas apontam para essa instância de compreensão de um prius, de uma anterioridade das formas, da região em que habitam as formas radicais, as protoformas, indicadas pelo Dr. Crippa.

Essa instância primordial é o Mito.

Não pretendo resumir um tratado, como é o livro do Adolpho Crippa, mas passo a compreender a cultura, enquanto anterioridade, enquanto alvéolo, a partir do aprofundamento da idéia do Mito, enquanto lugar inaugural das civilizações, genetriz do mundo factível, do provável e do possível. De fato não há possibilidade de comunicar, de habitar, sentir ou imaginar, sem as protoformas míticas dessas coisas num espaço do possível, ou seja, há uma ursprache, uma linguagem primordial, antes de existir as línguas, a comunicação humana. Da mesma maneira que há “uma manifestação primordial do sagrado antes de uma verdadeira experiência religiosa”.
A cultura, portanto, é o berço das coisas, das ações e das realizações humanas, do que é feito e do que é possível ainda fazer. A cultura é filha única do mito e mãe das civilizações.


Com isso, abro a possibilidade de finalizar esta missiva, apontando para leitura da obra clássica do culturalismo brasileiro, Mito e Cultura, do Dr. Adolpho Crippa.

Concluo, meu compadre Carlinhos, que essa carta já se alonga por demais, renovando os mais cordiais sentimentos de estima e admiração.

Abraço fraterno.

Eurico
Recife, 02/06/2009

6 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Gente! Ôuxi!
Néparada? Meu amigo de Infância é um literato, sociólogo, antopólogo, escritor, poeta, amante da lusofonia e, o que é mais maravilhoso - É SIMPLES ASSIM como osolo e as raízes ancestrais.
Por tudo isto e provavelmente por mais, muito mais que nem sei, ele é um 'EU-RICO', UM 'EU_LÍRICO' é GENTE, GENTE Rico para mim, também.

Abraço em ambos.
Carlinhos por onde andas, homem de Deus?
Aff... Deve estar numa rede.

Carinho,
Mai

Carlinhos do Amparo disse...

dona Sueli, eu num sou baiano, mas adoro uma rede. Enquanto isso vou deixando o compadre Eurico a se aperrear com os mitos dele. Eu, hein! Tou fora!

Beijo d'amigo.

Sueli Maia (Mai) disse...

(Risos...muitos) Esse 'dona Sueli'
(foi de lascar hein?)quase me derrubou da cadeira, homem.
Eu não tenho gurus e tento, o mais que posso, dar aos pseudo mitos, um banho de humanidade. Desmitifico quase sempre. Sei que és pernambucano, claro que sei e eu também sou mas adorouma rede. Já gostei mais do ócio e imagino que teus 'passeios' pela net devem ser por opção ou pura falta de tempo jamais por 'preguiça' pernambucanos labutam, com nada, produzem intelectualmente.

Eu voltei porque preciso que me digas qual é a fonte que gostarias que eu aumentasse ou mudasse a cor.

Abraços,
Mai

Carlinhos do Amparo disse...

:) Dona Sueli, boa noite. kkkkkkkkkkkk eu descobri teu nome. O compadre Eurico dedurou. A fonte dos comentários, mulher de Deus! aumenta auilo lá, que eu tou cegueta. kkkkkk

Abraço.

Ilaine disse...

Oi, Carlinhos!

Nossa, este seu compadre escreve muito bem. Que texto mais filosófico. A cultura é o berço das coisas, das ações e realizações humanas. A cultura é filha única do mito e mãe das civilizações. Lindo, não é Carlinhos! Eu gostaria de saber escrever como o seu compadre Eurico. Admiro-o muito, sabe! Ah, mas adoro você!
Beijo

Enquanto isso, volto aos meus textos pequeninos, que são apenas Ensaios!

Carlinhos do Amparo disse...

Vc é muito generosa e eu agradeço as suas palavras em nome do compadre.
Abraço fraterno.