Nosso encomiável doutor quase não lê jornal. Comprar, então, só in extremis. Sair de manhã pra seu morning constitutional e dar uma paradinha na banca pra ver as manchetes penduradas é um hábito q ele não renega desde seus tempos de estudante no Instituto de Plausibilática de Tallinn. O raciocínio de nosso humanista é impecável: se all news is old news e se os jornais controlam as notícias diariamente, então uma bizoiada a cada 24 horas na primeira página basta. Não quer se meter a ler jornal não. Há entre o doutor e o jornaleiro um acordo tácito. O doutor pode às vezes tirar fotos das manchetes em troco da preferência de comprar ali seus gibis, qdo lhe dá na telha. Há pro outro o bônus adicional de começar bem o dia com o contágio dum gargalho plausônico.Esta manhã foi uma glória pro jornaleiro. Ao ver a primeira página da Folha, a gargalhada múltipla de nosso humanista o infectou em tal grau q a rua toda invejou os dois por estarem começando uma quinta-feira pós-feriado num astral hilariante.
Desde a ascensão da imprensa como meio político, há entre deputados de todas as laias um tipo de velhacaria muito comum q consiste em simbolizar tudo errado com o intuito de confundir as coisas q já estão confusas na mente de quem se vale desse recurso.Pois pergunta-se: ¿o q tem a ver, de um lado, um político evangélico numa confortável sala do congresso carregando nos braços duas bonecas levinhas durante alguns minutos pruma photo-op... com, do outro lado, uma mulher realista neste mundo decididamente desconfortável carregando na barriga durante 9 meses um pesado feto indesejado com a suposição de q se responsabilizará por ele durante os 18 anos seguintes?Todo assunto sério abordado com cretinice dá nesses absurdos q em si são risíveis. Mas o q destrambelhou o doutor a rir foi ver o NOME do deputado. Qqer pessoa sensata e culta q se preze vê logo de cara q alguém q veio ao mundo com o nome Willian (note: williaN) não deve ter crescido num ambiente com muito apego à realidade q o cerca. "William com ene" é uma coisa estapafurdiamente diferente de "Brasil com zê". Brazil é o sarcasmo ao estar consciente do significado q uma letra pode assumir; Willian é a sedução do iletrado inconsciente do q as letras dizem. Está claro q ter um nome tipo 'Willian' não desmerece ninguém a priori. Chamar-se Jean-Claude ou Djéfersão ou Orprúndio não é opróbrio nenhum prum brasileiro (muito menos aos olhos do doutor – cujo primeiro nome, diga-se, é Amônio). Mas imagine a infância desse menino, nascido desortograficamente numa nação genuflexa perante nações melhor estruturadas, crescendo sem orgulho pátrio de sua própria língua e cultura, com uma desatenção cor-de-rosa pelos detalhes da cultura importada, seguindo um culto evangélico q se pauta por Bíblias (mal) traduzidas do inglês e por discursos (mal) adaptados de problemáticas euaenses, galgando-se social e politicamente por utilizar técnicas de marketing religioso originadas "lá" e trazidas "de lá" por missionários deslumbrados, e então aplica sua ideologia pra-inglês-ver no congresso brasileiro, onde a questão é totalmente outra, e – pra arrematar – insulta as leis brasileiras e a mínima inteligência do público brasileiro ao tomar emprestado TAMBÉM os confusos e pérfidos processos mentais da religiopatia euaense e chama de "abortos" os trágicos assassinatos daquela menina paulista pela janela e daquele menino carioca no carro. Imagine. É um mundo paralelo tomando conta da realidade.Numa nação genuflexa e ignorante, é um problema constante q se transforme a genuflexão disléxica numa profissão de fé, diversificando-a em genuflexão cultural e ideológica, genuflexão metodológica e econômica, genuflexão religiopática e política.Talvez pareça q o doutor enxerga uma causa lingüística até mesmo na questão do aborto, quase beirando a botar nos gramáticos normativos e reformadores ortográficos a culpa pela sandice q rotineiramente leva genuflectores à câmara federal. Mas o nome do rapaz é apenas um detalhe engraçado. Por outro lado, a prova da genuflexão disléxica taí pra quem quiser ver. Um deputado federal chamado Willian segura duas bonecas e acha isso um símbolo pertinente numa guerra eterna entre ideologias traduzidas.O Dr Plausível viu tudo isso ali, ao ler a primeira página do jornal pendurado na banca da esquina. Só podia mesmo gargalhar.O acordo tácito entre ele o jornaleiro se parece com aquele entre a hipocrisia política e a franqueza da realidade. O doutor não vai comprar um trambolho de jornal só pra ler algumas notícias; se ele não puder ler as manchetes ali, vai ler em outra banca. O jornaleiro sabe disso; o q ele perde no jornal, ganha no gibi. Quem quer fazer um aborto faz, sem pensar se é criminalizado ou não; se não puder fazer de graça num hospital público, vai fazer em outro lugar. Os willians sabem disso. O acordo tácito é entre quem condena e quem faz: "Ninguém vai te pôr na cadeia, mas me reservo o direito de berrar contra." O q eles perdem em realismo, ganham em angelismo. Mas o q eles não querem mesmo é pagar pelo aborto; ou seja, não querem gastar dinheiro, mesmo q se prove q seria pra se ter um país melhor. De melhor, basta q existam os ideais platônicos da Europa e dos Euá – aquele país onde o aborto é legalizado e produz o maná de onde os willians dislexicamente derivam suas idéias.Morning constitutional, indeed!
________________
Fonte do texto e da imagem:
http://drplausivel.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário