"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







sábado, 4 de fevereiro de 2012

AI, AI, SAUDADE...

Para os que estão distantes, nessa época de carnaval,
aqui vai um saudoso frevo canção, de Antonio Maria,
na voz inconfundível de Maria Bethania,
com belíssimas imagens do Recife e Olinda,
editadas por Noemia Hime:

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

UM DEMIURGO. UMA LITURGIA.

Um hino aos blocos líricos!
Praça do Marco Zero, há 4 anos atrás.
Antonio Carlos Nóbrega e seus seguidores...rsrsrs Evoé!!!

FREVO D'OLINDA

Maestro Forró e Orquestra Popular da Bom ba do Hemetério



Requintas em mi bemol;
cinco clarinetas em si bemol;
dois saxofones-altos em mi bemol;
dois saxofones-tenor em si bemol;
sete trompetes em si bemol;
dez trompetes em dó;
dois tubas em mi bemol;
tuba em si bemol;
bombardino em dó;
caixa-clara;
caixa-surda,
pandeiro;
reco-reco,
ganzá...

Tudo isso em movimento,
dedos ágeis em colcheias, semicolcheias,
em fusas e semifusas,
vida-que-pulsa,
pulsa-que-pulsa
:
Frevo!
:
Frevo-de-rua, ou, rasgado,
gente que dança-que-dança,
que se empurra, que se lança, volta e avança.

Frevo-de-abafo (chamado frevo-de-encontro)
notas longas e pesadas, tocadas pelos metais,
para abafar os rivais;

Frevo-coqueiro,
variante do primeiro,
em notas curtas e agudas, bem no alto do pentagrama;

Lindo, o frevo-ventania!
palhetas sopram mil sons,
entre o grave e o agudo;

Frevo-de-bloco...
Ah, Saudade,
Batutas de São José,
Madeiras e Pirilampos...
O banjo-tenor do Narciso,
do mestre Lula da Várzea,
as flautas, violões, clarinetas da Escola João Pernambuco.

A marcha dos blocos líricos:

Um flamboyant debruçado sobre o rio
e as pastorinhas, felizes, sob um céu de anil...

E eu... lírico:

Eu... e você, minha flor,
Flor do meu Capibaribe,

"sem você, meu amor,
não há carnaval"

Vamos cair no passo e na vida!


***
Pesquisa sobre orquestras de frevo:

Fonte da imagem:




CELEBRANDO O FREVO (ainda pro Mário de Andrade)



No dia 09 de fevereiro de 2007, o Recife celebrava os 100 anos do Frevo,
desde então tombado como patrimônio imaterial do Brasil.
Não é por acaso que aqui se diz "vamos brincar" o carnaval:


Aqui, trecho do DVD NOVE DE FEVEREIRO,
do multiartista Antonio Nóbrega,
em que se celebra esse ritmo, essa dança, esse brincante.

Em tempo.
Leiam o que, do frevo e do passo, dizia o musicólogo e poeta, Mário de Andrade:



"Mas será possível que uma coreografia, assim, ainda se conserve ignorada dos nossos teatros e bailarinos? Que beleza! Que leveza admirável! É uma fonte riquíssima. É um verdadeiro título de glória, que o país ignora, simplesmente porque entre nós ainda são muito raros os que têm verdadeira convicção de cultura”.(MÁRIO DE ANDRADE)







MÁRIO DE ANDRADE: O FREVO

“A vibração paroxística do frevo é realmente uma coisa assombrosa. É, enfim, um verdadeiro allegro num presto nacional. É, sem dúvida, o entusiasmo, a ardência orgíaca, mais dionisíaca de nossa música nacional. E aquele rapaz que dançou! Mas será possível que uma coreografia, assim, ainda se conserve ignorada dos nossos teatros e bailarinos? Que beleza! Que leveza admirável! É uma fonte riquíssima. É um verdadeiro título de glória, que o país ignora, simplesmente porque entre nós ainda são muito raros os que têm verdadeira convicção de cultura”. (MÁRIO DE ANDRADE)




Taí, Mário, o FREVO que tu que tu querias:


Performance realizada durante Congresso Internacional de Dança Brasileira - Rio - 2006 
por Uyra Mangueira
Professor e Passista de Frevo
Brasilia-Brasil


Frevo: Canjiquinha
Composição de Lourival de Oliveira,
Arranjo e interpretação de Antônio Nóbrega (em seu CD Lunário Perpétuo)






domingo, 7 de agosto de 2011

CLÁSSICO E PSEUDOCLÁSSICO (ou um naïf-reflexivo)


Fernando Pessoa

Orhan Pamuk



VII
Ponho na altiva mente o fixo esforço
Da altura, e à sorte deixo
E a suas leis, o verso;
Que, quando é alto e régio o pensamento,
súdita a frase o busca
E o escravo ritmo o serve.


Ricardo Reis (Fernando Pessoa)






Presenteia-me, mui gentilmente, um colega de ofício, com a revista de idéias e ensaios, SERROTE. Indica-me, especialmente, o texto do nobel de literatura 2006, Orhan Pamuk, que num mergulho no Schiller de Sobre a Poesia Ingênua e Sentimental, discorre sobre a atitude ora naïf, ora reflexiva de leitores (e autores), ao escrever/ler uma obra.

Essa interessante abordagem levou-me, de imediato, ao poeta português Fernando Pessoa.


Ninguém jamais foi escritor sem ter essa angústia de expressão entre o reflexivo e o emocional, de que trata Pamuk, em seu ensaio. Por isso Ricardo Reis (Pessoa) já cuidava dessa dicotomia entre idéia e sentimento, em certo apontamento sem data que abre Ficções do Interlúdio/4 – poesias de Álvaro de Campos. (minha edição é de 1983):


“Desde que se usa de palavras , usa-se de um instrumento ao mesmo tempo emotivo e intelectual.”, dizia o Mestre Reis.


E mais adiante:


“O que distingue a arte clássica(...) da arte pesudoclássica é que a disciplina de uma está nas mesmas emoções, com uma harmonia natural da alma, que naturalmente repele o excessivo, ainda ao senti-lo; e a disciplina da outra está em uma deliberação da mente de não se deixar sentir para cima de um certo nível. A arte pseudoclássica é fria porque é uma regra; a clássica tem emoção porque é uma harmonia.”


Por isso, Reis discorda de Álvaro de Campos, quando ele afirma que "o poeta vulgar sente espontaneamente e projeta essa emoção nos versos", e que , só depois, ao refletir sobre os cânones literários, "sujeita essa emoção a cortes, retoques, e outras mutilações", obedecendo a uma regra exterior:


“Nenhum homem foi alguma vez poeta assim. A disciplina do ritmo é aprendida até ficar sendo parte da alma: o verso que a emoção produz nasce já subordinado a essa disciplina(...) a emoção dá (à frase) o ritmo e a ordem que há nela, a ordem que no ritmo há.”


Quando o pensamento do escritor ou do poeta está imbuído de uma idéia que produz uma emoção harmônica, já leva ao fraseado o equilíbrio da emoção e do sentimento, e a frase "súdita do pensamento que a define, busca-o, e o ritmo, escravo da emoção que esse pensamento agregou a si, o serve,” como diz o verso final da ode que abre esta postagem.


Pessoa já havia resolvido, senhor que era do seu ofício, essas questões de que hoje ainda se ocupam os escritores contemporâneos. Não há predominância da idéia sobre a emoção, nem o contrário. Sendo a palavra um instrumento emotivo-intelectual, fica abolida essa dicotomia entre o escritor naïf e o reflexivo. Basta-nos, a nós os naïves, alcançarmos a disciplina de um Fernando Pessoa. Basta isso! Nada mais, nada menos. É pouco?


Fonte do texto:
UM CRONIST'AMADOR

terça-feira, 1 de março de 2011

O FUNDADOR DO APOIS FUM - por Eustórgio Wanderley

Pierrots mirins


Não se extingüiram, de todo, os ecos do carnaval, quando eu focalizei o tipo popular de Osvaldo de Almeida, o criador do neologismo "frevo" no carnaval pernambucano.

Agora cabe a vez de um não menos popular tipo, como o primeiro, repórter, e carnavalesco, figura que ficou inesquecida, pois, ainda hoje, é recordada com saudade pelos colegas de imprensa e pelos que com ele privaram, quer nos meios carnavalescos dos clubes pedestres e "blocos", quer nos meios forenses, pois ele era também uma espécie de rábula, procurador em diversas causas.

Trata-se de Guilherme Araújo. Muito inteligente e empreendedor, desenvolvia grande atividade, embora seu cultivo intelectual fosse bem reduzido, não passando de um ligeiro curso primário.

Sua sagacidade, entretanto, supria quaisquer outras falhas, sendo maneiroso, delicado, sabendo tirar partido das situações em que se encontrava, não deixando – a quem não o conhecesse bem – aquilatar o seu preparo mental.


No Jornal Pequeno

Por muitos anos trabalhou no Jornal Pequeno, onde fazia a reportagem marítima e a da polícia, mostrando-se competente pela longa prática do metier como dizem os cronistas mundanos.

Dando notícia das partidas dos navios do nosso porto, simpatizou ele com o verbo zarpar com que iniciava os períodos assim:

"Zarpou ontem para a Europa o navio tal..."

"Zarpa hoje para o Rio"...

O diretor do jornal reparou naquela chapa e, certa vez, lhe disse:

- Ó, seu Guilherme! Você não conhece outro verbo sem ser zarpar com que noticia a partida dos navios?

- Conheço, sim, senhor!

- Pois trate de empregá-lo porque, do contrário, quem acaba zarpando daqui é você. Está entendendo?

- Estou, sim, senhor!

E o Guilherme ficou a pensar em outro verbo... Dois dias depois partia um navio para o Norte e ele, pensando haver resolvido o problema, escrevia:

"Amanhã zarpará para o Pará, o vapor Pará..."

O Dr. Tomé Gibson, ao ler aquela séria cacofônica de paras e parás não pôde se zangar, porque desandou a rir... sem parar também.


Jornalzinho carnavalesco

Certa vez lembrou-se o Guilherme de editar um jornalzinho carnavalesco de propaganda comercial. Como era muito estimado no comércio, não lhe foi difícil angariar anunciantes que, não só custeavam a impressão do jornal, como ainda lhe proporcionaram razoável lucro.

Intercalava, nos anúncios historietas, anedotas, versos, epigramas etc. Durante vários anos publicou seu jornalzinho com êxito crescente.


O Apois Fum

Havia naquele tempo um gazeteiro, (o que no sul chamam jornaleiro, vendedor de jornais) apelidado Fon-fon, não porque vendesse a revista carioca de igual nome, e sim, porque tinha o lábio superior e o véu palatino fendidos, a que chamam lábio de lobo, o que o impedia de pronunciar bem certas sílabas, dando, a quase todas as consoantes o som de F. Quando se lhe dizia qualquer coisa de que ele duvidasse o Fon-fon tinha o costume de replicar:

- Apois fum! Quando o que ele pretendia dizer era: - Pois sim...

O Guilherme de Araújo aproveitou o dito, que se tornou popular, e organizou um bloco carnavalesco de muito sucesso no Recife, não somente pelo grande número de moças e de rapazes de que se compunha, como também por exibir um sugestivo carro alegórico, o que era uma inovação entre os blocos de carnaval na época.


Quem não cheirou levante o dedo!...

Na estação do Brum, da antiga Great Western, era visto um vendedor ambulante de perfumes que, enquanto o comboio estava parado, aguardando a hora da partida, percorria os carros com um vidro dos seus perfumes, desarrolhado na mão, dirigindo-se, delicadamente, aos passageiros:

- O cavalheiro dá licença?...

E, antes que a licença fosse dada, ele passava, de leve, no dorso da mão do passageiro, a rolha do vidro umedecida no perfume, solicitando:

- Por obséquio, queira cheirar e depois me diga se não é puro Houbigant de Paris.

Assim, percorria toda composição e, ao regressar, pelo mesmo caminho, entre os bancos dos vagões, ia procurando vender seu produto, ao mesmo tempo que indagava:

- Quem não cheirou levante o dedo!...

O dito pegou, ficando como pilhéria carnavalesca: O Guilherme se aproveitou do caso e me pediu que escrevesse a letra e a música de uma pequena marcha carnavalesca para ser cantada pelos componentes do Bloco Apois-fum, o que fiz com grande prazer para o seu irrequieto diretor.


Seu tipo físico

O Guilherme era de pequena estatura, mais ou menos gordo, com o ventre saliente. Moreno, de lábios carnudos e roxos, os cabelos muito crespos e castanhos claros, partidos ao meio. Olhos verdes e bigodes à kaiser, como estava na moda. Era ele o que se costuma chamar de alaranjado. Fumava vastos charutos. Sempre elegantemente vestido, ostentando altos colarinhos duros, mirabolantes gravatas e não menos estupefacientes coletes, o Guilherme calçava botinas de polimento, abotoadas ao lado, tendo a gáspea cinzenta ou marron clara.

Um grande emotivo, amava a família com desvelo, procurando cercá-la do maior conforto, para o que adquirira no Barro, subúrbio do Recife, uma aprazível vivenda.


O coração o matou

Uma tarde, no quarto onde havia um oratório com imagens de santos, uma vela acesa, caindo sobre a toalha que forrava o altar, incendiou-o. Ao divisarem o clarão do incêndio, gritaram:

- Fogo! Fogo!... A casa está se incendiando!...

O Guilherme corre para extingüir as chamas que ameaçavam, se propagar por todo o prédio. Depois de grande luta foi dominado o perigo. O esforço, porém, que ele fez foi sobre-humano para o seu coração já afetado de miocardite.

Dias depois, sentindo-se mal, declarou:

- Cheguei ao fim!...

Serenamente fechou os olhos e adormeceu. Adormeceu para não mais despertar, como o fazia cedo, diariamente, para ir à sua labuta no Jornal Pequeno e na Polícia Marítima, noticiando os passageiros que chegavam e os navios que zarpavam...

Pobre Guilherme de Araújo! Foi um lutador e um bom!


(WANDERLEY, Eustórgio. Tipos populares do Recife antigo)

Fonte da postagem
http://www.jangadabrasil.com.br/marco19/pa19030b.htm

SOBRE EUSTÓRGIO WANDERLEY


Eustórgio Wanderley nasceu no dia 5 de setembro de 1882, na cidade do Recife, PE, onde estudou e morou durante quase toda sua vida. Adulto, dedicou-se ao jornalismo, atuando no Diário da Manhã e no Jornal do Recife.

Dando vazão aos seus pendores musicais, foi parceiro de Nelson Ferreira em diversas valsas e canções, sendo um dos primeiros pernambucanos a participar, pelo selo da RCA – Victor, da discografia brasileira, através de suas cançonetas que fizeram muito sucesso, como A pianista, O almofadinha e A melindrosa.

Durante o tempo que morou no Rio escreveu no Correio da Manhã, em A Noite Ilustrada, no Jornal do Brasil e em O Malho.


Em 1909 compôs a versão mais e picante e maliciosa da polca No bico da chaleira (a primeira versão foi escrita por Juca Storoni também no mesmo ano), gravada na Casa Edison pelos Os Geraldos.


Poeta, teatrólogo, foi membro da Academia Pernambucana de Letras e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.


Quando residia no Recife, publicou em dois volumes, Tipos Populares do Recife Antigo (1953/54).


Faleceu no dia 31 de maio de 1962, no Rio de Janeiro.

Fonte da mini-biografia:

http://cifrantiga2.blogspot.com/2008/02/eustrgio-wanderley.html