"E quando a festa já ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava?
Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate.
Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas.
Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim.
Carnaval era meu, meu."

(Clarice Lispector )







sexta-feira, 31 de julho de 2009

Resenha Poética nº 3 (Por que Niezsche chorou abraçado a um cavalo?)







A postagem original é do blogue do Cláudio Alex FAgundes, mas caiu como uma fruta madura (por que seria caiu como uma luva?) para comentar o Atropelamento, poema lá do Eu-lírico. Leiam e saibam porquê:

Coloco esse pequeno trecho aqui, porque estou pleno de empatia com Nietzche hoje. A cena é uma descrição perfeita de Kundera extraída de "A Insustentável Leveza do Ser".

"Uma vitela-novilha aproxima-se de Tereza, estaca ao pé dela e fica a observá-la demoradamente com os seus grandes olhos castanhos. Tereza conhece-a bem. Chama-lhe Margarida. Gostava de ter batizado todas as vitelas, mas não conseguiu. Não havia nomes que chegassem. Há trinta anos, pelo menos, com certeza que ainda era assim, com certeza que todas as vacas da aldeia tinham nome. (E se o nome é sinal da alma, pode bem dizer-se, custe o que custar a Descartes, que as vacas tinham alma.) Mas, depois, a aldeia tornou-se uma fábrica cooperativa e as vacas nunca mais saíram, durante toda a vida, dos seus dois metros quadrados de estábulo. Deixaram de ter alma e passaram a não ser mais do que — machinae animatae —. O mundo deu razão a Descartes. Ainda tenho nos olhos a imagem de Tereza sentada num tronco, a afagar a cabeça de Karenine e a meditar no fracasso da humanidade.
Ao mesmo tempo, aparece-me outra imagem: a de Nietzsche a sair de um hotel de Turim. Vê um cocheiro a vergastar um cavalo. Chega-se ao pé do cavalo e, sob o olhar do cocheiro, abraça-se à sua cabeça e desata a chorar. A cena passava-se em 1889 e Nietzsche, também ele, já se encontrava muito longe dos homens. Ou, por outras palavras, foi precisamente nesse momento que a sua doença mental se declarou. Mas, na minha opinião, é justamente isso que reveste o seu gesto de um profundo significado. Nietzsche foi pedir perdão por Descartes ao cavalo. A sua loucura (e portanto o seu divórcio da humanidade) começa no instante em que se põe a chorar abraçado ao cavalo.
E é desse Nietzsche que eu gosto, tal como gosto da Tereza que tem ao colo a cabeça de um cão mortalmente doente e que a afaga. Ponho-os um ao lado do outro: tanto um como o outro se afastam da estrada em que a humanidade, — dona e senhora da natureza —, prossegue a sua marcha sempre em frente."




Fonte do texto:
Autor: Cláudio Fagundes
http://claudioalex.multiply.com/journal/item/778

Cláudio Fagundes


Fonte da imagem:
Cavalo chicoteado

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Resenha Poética nº 2



















imagem google




O poeta Eurico publicou no Eu-lírico de hoje (23/07/09) um clamor em forma de poema. Alguém lhe disse que poema é pra ser declamado, lido em voz alta. Ele, que é adepto do poema para ser lido em silêncio e com os olhos sobre a página, conferindo a estrutura gráfica, a pontuação, o tamanho dos caracteres, sua cor, sua textura (rs), de repente me surpreende com um texto para ser lido aos berros. Cadê o poeta do mitologema, dos símbolos, do poema pra ser lido e relido, repensado e reelaborado por cada leitor. É... o que uma crise não faz!
Então decidi não resenhar o poema, mas transcrever a notícia de jornal que, além de outras picuinhas próprias do mundo dos poetas, o fez escrever assim, como dizia Caetano, com a boca no megafone:

"berro pelo Aterro
bebo o desterro
"


A notícia está logo aqui, ipsis litteris:



Até 2012, mais de 33 mil menores serão mortos
Da Folha de Pernambuco - 22.07.2009
www.folhape.com.br
Estudo: Recife e Maceió têm os mais altos índices de homicídios




BRASÍLIA (Folhapress) - Mais de 33 mil adolescentes serão assassinados entre 2006 e 2012, prevê o Indicador de Homicídios na Adolescência (IHA), divulgado ontem pelo governo federal, Unicef e Observatório de Favelas. As cidades do Recife (PE) e Maceió (AL) estão no topo da lista dos piores números entre as capitais, com 6 mortes para cada mil adolescentes. O Rio de Janeiro vem em seguida, com 4,9 mortes. A cidade de São Paulo ocupa o 24º lugar entre as capitais com 1,4 morte a cada mil jovens.
De acordo com o estudo, de cada mil adolescentes que completam 12 anos no Brasil, 2,03 são mortos por homicídio antes de completar 19 anos. Foram analisados dados de 2006 de 267 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes. No panorama geral do País, a cidade de Foz do Iguaçu (PR) lidera o ranking de mortes violentas entre adolescentes, com 9,7 mortes para cada grupo de mil adolescentes. Em seguida vem Governador Valadares (MG), com 8,5 mortes e Cariacica (ES), com 7,3 mortes.
Em números absolutos, porém, a capital paulista tem o segundo maior número de mortes de adolescentes entre as capitais, com 1.992 mortes, atrás apenas da cidade do Rio de Janeiro, que tem 3.423 mortes.
Nancy Cardia, coordenadora-adjunta do Núcleo de Estudos da Violência da USP, aponta que, com exceção de Rio e São Paulo, as regiões metropolitanas sofreram um processo de expansão mais recente e, em consequência, têm uma estrutura urbana mais precária.
Ainda segundo ela, estudos mostram que uma série de problemas das cidades está relacionada à violência com crianças e adolescentes: o fato de as crianças mais pobres permanecerem menos tempo na escola e ficarem a maior parte do tempo sem a supervisão de adultos, por exemplo, faz com que elas fiquem mais tempo expostas.

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Nota: e saibam todos que diminuímos a mortalidade infantil por desnutrição, doenças, etc. Os menores estão sendo mortos é à bala, mesmo.

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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Resenha Poética Nº 1 (prolegômenos)






















Prolegômenos, até dispensáveis...

A nossa parceria é antiga. Vem desde a meninice. Eu sou quase um amigo invisível do Lula. Quem é o Lula? Ah, o Lula é o poeta Eurico, que tem o nome do avô: Luiz Eurico de Melo Neto. A coisa é tão de amigo, que ele inventa essa história de resenha, e não me avisa com antecedencia. Mas, como tenho na gaveta, coisas do tempo do Eu-lírico em papel, tempos românticos em que xerocávamos os nossos zines e enviávamos pelo correio pra o Brasil quase todo. Eita trabalheira! Bem, como tenho algo que serve pra ocasião, vou transcrever aqui, logo abaixo, o comentário da edição nº 10 - jun/jul-1996, do zine Eu-lírico, cuja capa, chamada O Ninho, escaneei, e serve como ilustração dessa Resenha nº 1.

Obs.: a capa é uma collage de autoria do compadre Lula.

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OPUS ALCHYMICUM
.............por Carlinhos do Amparo

Vejam que instigante afirmativa da Dra. Nise da Silveira (in Jung-vida e Obra, p. 160):

"o mundo do poeta é um mundo de imagens arquetípicas".

E continua, a saudosa Mestra:

"essas imagens prescindem da lógica e da sintaxe comum, posto que emersas das funduras imensas do inconsciente, de onde trazem as intuições primordiais"...(e, atalho eu, por que não dizer, mitopoéticas? rsrs)


Concluo, a partir da do que disse a Dra. Nise da Silveira, (e no âmbito brevíssimo e restrito deste comentário), que os símbolos alquímicos originam-se, bem como as imagens poéticas, no ventre do inconsciente coletivo, e serão reencontradas nos sonhos e na imaginação dos povos de todas as épocas.
Evidenciam-se, junguianamente, confluências entre essa linguagem poética, hermética e obscura e a linguagem dos bizarros textos da alquimia. É que o artista, como o alquimista, segundo o próprio Jung, exprime a fala inconsciente e ativa da humanidade, tornando acessíveis a todos as fontes da vida.

Então, pergunto:
surgirá a Poesia, sob o fulgor dessa revelação interior, quase filosofal, alquímica, e numinosa?

E ainda:
há, na alma do poeta, uma protopoesia, fruta inextinguível das experiências lírico-pensantes dos homens, que ora se apresenta de maneira irrealista, onírica e abstrata?

(Olinda, meados de julho de 1996)

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Mais um dedinho de prosa (em 22/07/09, hoje, portanto)

Sobre o tal esoterismo euriquiano, eu devo discordar. Não de quem pensa isso, mas dele, do meu compadre. Como é que ele me faz uma postagem ilustrada pela Escada de Jacó, símbolo esotérico dos pedreiros-livres, e ainda cita o Octavio Paz, dizendo ser a escada símbolo da "humilhação da pedra", ali na barra lateral, põe um título meio maçon, com um subtítulo totalmente maçon,e não quer que o rotulem de esotérico. Ora, meu compadre, isso é puro esoterismo. Não me venha enganar com o tag junguiano da individuação, pois isso é só pra despistar o leitor, que eu bem te conheço! A Escada de Jacó remete à evolução espiritual e isso o compadre não vai querer esconder, né? Tá bom, há um metapoema escondido aí, mas... sei não. Estás meio esotérico, compadre velho! rsrsrs
(Desculpa, compadre, mas, o senhor me pediu pra comentar, eu comentei! Eu num sei mentir!) rsrsrs

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sábado, 18 de julho de 2009

Decálogo de um Urso Polar: Drummond





Prezado compadre Carlinhos, peço licença para postar em teu Sítio, posto que o Eu-lírico está, doravante, terminantemente vedado à prosa. O que me traz aqui é uma angústia, uma aflição repentina, de que fui acometido por esses dias. Lendo os mais premiados escritores de nosso tempo, cá no Brasil, percebi que o que escrevo não está em sintonia com nada, nem com ninguém: meus contos são longos e cheios de ilações filosóficas, meus poemas tem temáticas estranhas e alienadas, e o meu romance, interminaaaável, não passa de uma colcha de retalhos, ou de elementos de uma gestalt jamais fechada. Antes de entrar em crise, fui ver o que pensavam meus gurus. Com eles é que aprendo sempre. Pois, como se sabe, não há faculdade de escritores, né mesmo? Disso já falamos aqui. Pois bem, fui pesquisar o que dizia do ofício poético, da escrita mesmo, o, tão tímido mas tão vigoroso com as idéias, Carlos Drummond de Andrade. E o Google me revelou essa santa entrevista por telefone, colhida pelo Geneton Moraes Neto, que aqui transcrevo (ou seja, copio e colo, com grifos meus, rsrsrs). Com isso apaziguou-se, ou quase isso, em minha alma, essa sensação de escrever meio "naïf", meio sem teoria, sem conhecimento da norma culta da língua. A sensação de escrever por catarse, para curar meus medos, tendo como embasamento teórico, só, e tão sómente só, o lirismo que trago desde adolescente. Mas, leiamos o Mestre:



CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: "O JORNALISMO É UMA FORMA DE LITERATURA"


Atenção, pesquisadores de curiosidades zoológico-poéticas: o apartamento 701 do prédio número 60 da Rua Conselheiro Lafayette, em Copacabana, era palco diário de uma cena esquisita. Lá, um urso polar adorava falar ao telefone.
O auto-intitulado “urso polar” chamava-se Carlos Drummond de Andrade. Desde que virou uma quase unanimidade nacional, Drummond ergueu em torno de si uma couraça para se proteger das investidas do mundo exterior. Era o exemplo acabado do mineiro arredio. Usava uma suposta timidez – desmentida por amigos íntimos – para manter longe de si, na medida do possível, as inconveniências da celebridade, descritas nos versos amargos do poema “Apelo a Meus Dessemelhantes em Favor da Paz”:


“Ah, não me tragam originais
para ler, para corrigir, para louvar
sobretudo, para louvar (...)

Respeitem a fera. Triste, sem presas, é fera(...)


Vocês, garotos de colégio, não perguntem ao poeta
quando nasceu.
Ele não nasceu.
Não vai nascer mais.
Desistiu de nascer quando viu que o esperavam garotos de colégio de lápis em punho
com professores na retaguarda comandando :

Cacem o urso polar,
tragam-no vivo para fazer uma conferência (...).



Durante décadas, Drummond fugiu dos pedidos de entrevista. Preferia repetir a resposta-padrão: tudo o que tinha a dizer estava em seus poemas e crônicas. Mas mantinha um flanco aberto: o telefone. Amigos chegaram a definir Drummond como um “ser telefônico”. Ziraldo escreveu que Drummond era “ao telefone, um derramado, com uma voz entre rouca e afunilada, meio tênue e fina, com a respiração difícil como quem tem desvio de septo”.
O “urso polar” cultivava esta pequena esquisitice: sempre que podia, fugia do contato pessoal, mas se mostrava surpreendentemente acessível às investidas telefônicas de intrusos como, por exemplo, este locutor-que-vos fala.
Um dos editores do Jornal da Globo, cultivei, pelos idos de 1986, o hábito de incomodar o poeta pelo telefone, em busca de declarações que eram transformadas, no ar, em frases que exibiam a assinatura de Drummond. O poeta jamais se esquivou de fazer rápidos comentários. A uma pergunta sobre o que pensava de uma reunião de professores de países de língua portuguesa em Lisboa para discutir uma proposta de unificação ortográfica,Drummond – tido como um dos maiores poetas já produzidos pela língua portuguesa – deu uma resposta tipicamente drummondiana :

- “Considero-me um usuário, não o proprietário da língua. Não sou filólogo, não sou professor, não sou gramático. Sou um leigo em língua portuguesa”.

Tive a chance de entrevistar outro gigante da poesia brasileira,o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto,sobre a idiossincrasia telefônica de Drummond :

- “Era uma coisa engraçada: pessoalmente, ele falava menos” – constatava Cabral. “Mas tinha uma conversa longuíssima ao telefone. Quer dizer: quanto mais longe a pessoa, mais afetuoso ele era. Tenho a impressão de que ele não gostava era do contato físico”.



O telefone terminou se transformando no caminho das pedras para a obtenção daquela que seria uma das maiores entrevistas já concedidas por Drummond. Em julho de 1987, Drummond respondeu a setenta e seis perguntas que lhe fiz por telefone, em duas sessões. Transcrita,a gravação da entrevista rendeu cerca de duas mil linhas datilografadas. As palavras do urso polar ficam. Recolho um possível decálogo de nossa entrevista:



1. ”Não tenho a menor pretensão de ser eterno. Pelo contrário: tenho a impressão de que daqui a vinte anos – e eu já estarei no cemitério São João Batista – ninguém vai falar de mim, graças a Deus. O que eu quero é paz”.

2. ”A solidão em si é muito relativa. Uma pessoa que tem hábitos intelectuais ou artísticos, uma pessoa que gosta de música, uma pessoa que gosta de ler nunca está solitária, nunca está sozinha. Terá sempre uma companhia: a imensa companhia de todos os artistas, todos os escritores que ela ama, ao longo dos séculos”.

3. ”Não fiz nada organizado. Não tive um projeto de vida literária. As coisas foram acontecendo ao sabor da inspiração e do acaso. Não houve nenhuma programação. Por outro lado, não tendo tido nenhuma ambição literária, fui poeta pelo desejo e pela necessidade de exprimir sensações e emoções que me perturbavam o espírito e me causavam angústia. Fiz da minha poesia um sofá de analista. É esta a minha definição do meu fazer poético”.

4. ”A popularidade nada tem a ver com a poesia. A popularidade pode acontecer. Mas um grande poeta pode também passar despercebido”.

5. ”Tive apenas o desejo de exprimir minhas emoções. Eu sentia necessidade de que eles se soltassem; era um problema mais de ordem psicológica do que de outra natureza”.

6. ”O jornalismo é uma forma de literatura. Eu, pelo menos, convivi – e mil escritores conviveram- com uma forma de jornalismo que me parece muito afeiçoada à criação literária: a crônica”.

7.”O que lamento é que as novas gerações já não tenham os estímulos intelectuais que havia até trinta ou quarenta anos passados.As pessoas que sabiam escrever a língua se destacavam na literatura e nas artes em geral.Hoje em dia,há escritores premiados que não conhecem a língua natal”.

8. ”Sou uma pessoa terrivelmente corajosa, porque não espero nada de coisa nenhuma”.

9. ”Considero-me agnóstico. Sou uma pessoa que não tem capacidade intelectual e competência para resolver o problema infinito que é se existe ou não existe uma divindade”.

10. ”Minha motivação foi esta : tentar resolver,através de versos,problemas existenciais internos.São problemas de angústia,incompreensão e inadaptação ao mundo”.



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Permitam-me um pós escrito, em postagem tão longa:

É nesses grifos acima, e apenas neles, que me vejo um escritor
como o Drummond. Jamais na forma de escrever as
angústias, longe mim. Nisso Drummond é inimitável.
Mas isso que Drummond afirma como "poética de divã"
é o que chamo de lirismo. Nesses moldes, sou um poeta
profundamente lírico, apesar de me perpassarem os ecos
de tantas leituras feitas, nos livros e na vida.

Abraço fraterno.


(*) Geneton Moraes Neto é autor de “Dossiê Drummond” (Editora Globo), livro que traz a íntegra da entrevista de Carlos Drummond de Andrade, além de depoimentos de 45 personalidades brasileiras sobre o poeta.

Fonte do texto:
http://www.geneton.com.br/archives/000063.html
Posted by Geneton at abril 15, 2004 12:56 AM


Fonte da imagem:
Carlos na sua biblioteca

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quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cultura e Linguagem, ruminando com Adolpho Crippa














Fiquei meditabundo, depois da seqüência de cartas do compadre Eurico. Embora as suas missivas tenham agradado muito ao pessoal aqui do Sítio, pois traziam uma simpática e deliciosa fauna: uma galinha e seu respectivo ovo, uma bacorinha; coisas bem nutritivas e conhecidas da gente intra-histórica, cá deste Sítio d’Olinda. Inclusive, o compadre esqueceu sob a mangueira, os tais curvos ganchos da interrogação do “seu” José(*).

Fiquei especialmente intrigado com uma imagem do nascimento da fala, da comunicação entre os homens que grifei no trecho abaixo:

“A cultura precede o homem e lhe oferece as possibilidades de agir e de fazer. O homem não poderia inventar a cultura, por mais que realizasse obras singulares nos diversos campos em que seu espírito possa se manifestar. O homem não cria a cultura. Ao contrário, ele é constituído pela cultura, nele mesmo, no seu mundo, na sua linguagem, nos seus valores. A cultura seria assim uma anterioridade absoluta frente à liberdade, uma anterioridade absoluta frente à imaginação, uma anterioridade absoluta frente à linguagem.
Os homens não criam a linguagem. Para isso teríamos que imaginar um povo não falando nada e, de repente, reunido, acertando sons, imagens, conceitos, ou seja, descobrindo ou escolhendo uma certa maneira de falar. Ou então um conglomerado de entes, que humanos não seriam ainda, escolhendo os símbolos, as formas de suas manifestações no campo da religião, da arte e da ciência. Isso é algo impossível. A cultura seria assim um precedente absoluto frente à consciência e frente à liberdade. Nenhum homem nasce por acaso e do nada. Nenhum homem surge absolutamente perdido no espaço. Há uma anterioridade determinante
."


Fico imaginando, enquanto penduleio na rede, cá nesse cantinho aprazível de minha eterna Olinda, fico ruminando e rindo só, tentando montar a cena da passagem acima: centenas de pitecantropos, reunidos numa caverna, ou numa clareira pré-histórica, a combinar os fonemas de uma língua a ser criada. Deviam pelo menos grunhir, emitir algum som para, deles, escolherem a matriz fonética da nova língua. Além de estranha, a cena é hilária.

Parece brincadeira, mas a argumentação do Dr. Crippa é fulminante. Eu, pelo menos, considero essa cena impossível de ter ocorrido. A tarefa ainda seria mais difícil, ao pensarmos que não se tratava apenas da escolha de sons, fonemas, mas também de símbolos, imagens, conceitos. É claro que isso deveria ser uma tarefa de séculos, talvez de milênios. Mas, com certeza tenho de concordar com o que afirma indiretamente o Dr. Crippa, à página 183, de seu Mito e Cultura, quando questiona:

“Como poderia o homem criar palavras e símbolos antes de possuir o sentido da comunicação? Como edificaria uma casa antes de sentir a necessidade de habitar? Como ergueria um templo antes de uma experiência religiosa do sagrado?”

É ele mesmo quem responde a seguir:

“Há uma linguagem primordial, da mesma maneira que há um residir antes do habitar, um sentir e um imaginar que antecipam as expressões artísticas, uma manifestação primordial do sagrado antes de uma verdadeira experiência religiosa.”

E arremata, dizendo:

“para agir e expressar-se em formas e atividades significativas, o homem deve estar dotado de formas radicais que tornem possíveis tais expressões.”

Há uma questão que se impõe a essa altura do tema. Quem leu todas as cartas anteriores já sabe que o que torna possível o agir e expressar-se, ou seja, o que possibilita a ação humana no mundo, e o lugar, a instancia em que ele se instala, segundo Dr. Crippa, é a cultura. A cultura é o alvéolo da civilização humana na Terra. Mas eis que ela é precedida do Mito. Eis a anterioridade absoluta! Eis o prius! Eis a fonte inesgotável dessas protoformas radicais que norteiam o homem em sua rota imaginativa e criadora!
Ops, ia esquecendo da questão que se impõe nesse ponto da peroração. Aqui está ela:

Já havia pensamento nesse agrupamento humanóide? Ou seja, a razão já iluminava as cavernas de onde sairia a horda dos Homo Sapiens?


Eu não ousaria responder isso aqui, nesse exíguo espaço. Mas vou tergiversar com uma coisa que descobri esses dias, lendo História Oral e Memória, de outro sábio, o Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro. Especialmente no capítulo 2 – A Língua no Asfalto, p. 35 a 51, da minha edição, que é de 1992.
Bem, cotejarei esse capítulo, com pinceladas do que entendo ser a Razão Vital, do espanhol Ortega y Gasset, pois pretendo indicar uma possível resposta à pergunta feita acima.

O Dr. Montenegro cuida nesse A Língua no Asfalto, da aquisição do conhecimento por certa moradora do bairro de Casa Amarela, no Recife, chamada Dona Tôta, mulher semi-analfabeta, inserida na luta social, em meados de 1964, sob a égide da ditadura, portanto.
Dona Tôta, que tinha poucas luzes, se percebia ignorante. “Eu já fui burra”, dizia anos depois. Não obstante teve uma atuante participação nas reuniões secretas, que fundariam uma associação de moradores e de operários, preocupados com a situação social. Nesse percurso ela se apodera da fala de outra classe social, do discurso político, de tal forma que todos pensam que ela tem um bom nível de escolaridade.

Mas o que vou tratar ainda não é isso.
O Dr. Montenegro nos conduz por esse percurso da aquisição do conhecimento, pela Dona Tôta, demonstrando que a fala é decisiva para quem vive a radicalidade cotidiana do “não ter”.
Por isso articular o ato de pensar a fala, construir uma retórica, desenvolver argumentos em torno de um saber, exigiu dessa dona de casa iletrada, um longo processo de observação e aprendizagem.
Exigiu dela a utilização da razão. Isso mesmo. Da razão como instrumento para sobreviver num mundo hostil. Ou seja, o uso efetivo da razão vital.
Aqui recorro à imagem do pensador Ortega y Gasset, que compara a razão vital àquela varinha que usamos para experimentar a profundidade do trecho de um rio que queremos atravessar. A razão enquanto um sentido semelhante ao ver ou ao apalpar. A razão diferente, daquela razão pura, abstrata, físico-matemática. Não há negar a existência daquela. Mas a razão usada no cotidiano do operário, do lavrador, da doméstica, do humilde catador de lixo, dos iletrados, dos sem história (ou intra-históricos), dos sem escrita. Essa é que entendo como a razão vital.
Ufa! Creio que já posso remeter essa situação àquele contexto do grupo de homens das cavernas.
Ali também não havia história, nem escrita, mas devia haver a razão, como a concebeu o filósofo espanhol. Aquela que ajuda o homem a 'saber a que se ater', no oceano das coisas em derredor e no emaranhado da inóspita realidade. A razão vital, pois, é indispensável instrumento para refletir a luz do mito, dentro das cavernas. Uma das protoformas radicais do Dr. Crippa, deve ser, sem dúvida, a razão. Mas a Razão Vital orteguiana, enquanto apetrecho primordial do homem, dentro da Cultura.

Portanto, finalizo essa meditação, com um abraço fraterno aos intra-históricos do Sítio d’Olinda e do mundo, que, apesar de iletrados, conseguem compor, através de ritos e signos peculiares e cotidianos, um discurso vital e detentor de um conhecimento, que lhes empodera e os faz derrubar os óbices da segregação e vencer as barreiras invisíveis, interpostas pelos letrados e eruditos às camadas populares da sociedade.

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Basta, pessoal!
Espero que tenha me feito entender.
Meu discurso é paupérrimo.
Sei apenas ruminar, como o boi no pasto. rsrsrs

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(*) José Ortega y Gasset,
filósofo raciovitalista,
autor de Meditações do Quixote.


Fonte da img.:
http://www.eb-outeiro.rcts.pt/homem_cavernas.jpg

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terça-feira, 2 de junho de 2009

A Cartada Final: Mito e Cultura - Adolpho Crippa

Giselle Bundchen, entronizada sobre os ameríndios .
(um mito moderno, explorado em peça publicitária)


Prezado Compadre Carlinhos,

Vim, afinal, concluir essas tais cartas, com uma “cartada final”.
Para isso, revisemos a carta da postagem anterior:

Para o nosso resenhado, o Dr. Adolpho Crippa
“há uma linguagem primordial, da mesma maneira que há um residir antes do habitar, um sentir e um imaginar que antecipam as expressões artísticas, uma manifestação primordial do sagrado antes de uma verdadeira experiência religiosa.”
Baseado nessas premissas, o sábio culturalista brasileiro chega à conclusão de que:
“para agir e expressar-se em formas e atividades significativas, o homem deve estar dotado de formas radicais que tornem possíveis tais expressões.”Foi a essa altura da prosa que lancei a minha interrogação, feito quem joga um curvo anzol na ponta de uma linha invisível. Questionava eu, ao final da carta anterior:

Se o espírito humano necessita dessas formas radicais que preexistiam numa anterioridade absoluta, num prius, de que instância recolhe o homem essas protoformas que orientam sua força imaginativa e criadora?


Agora é que a porca torce o rabo!

E essa ancestral imagem do rabo da porca, quase arquetípica, que simboliza um nó, ou o esforço do suíno para resolver algo, lá no seu chiqueiro, essa imagem nos ajudará a investir contra os moinhos de vento das nossas interrogações .
E por falar em moinhos de vento, aí está outra analogia quase mítica, que nos vem sendo ditada, desde Cervantes, há uns 400 anos atrás.

Quase que eu digo, no parágrafo anterior, o nome dessa instância em que vivem as tais protoformas do Dr. Crippa, que até lembram aquilo que Platão chamava de idéias, mutatis mutandis. Portanto, essas singelas imagens dos moinhos de vento, ou mesmo do rabinho torcido da bacorinha, são o que chamamos de deslocamento metonímico, ou metafórico, Um jeito que a mente humana encontrou de concentrar o que se quer enunciar, numa só imagem. Mal comparando, também, lembram os anagramas chineses. Pois é, compadre, essas analogias, quando condensam formas primordiais, de cunho profundo, guardadas no inconsciente coletivo, são os chamados mitologemas.

Mitologemas?

Mitologema ou mitema significa a imagem mítica essencial, que compõe, associada a outras, uma estrutura mitológica dramática, em si mesma completa. (Roberto Gambini)

Exemplo simples de mitologema, ou mitema:

Quem já ergueu um bebê e o jogou pro alto, num movimento de sobe e desce, não percebe que esse gesto lembra algo antiquíssimo, como o erguer de uma oferenda, ou da hóstia dos cristãos. Algo que se remete para o alto, à divindade. Esse é um exemplo próximo e simples do que pode ser um mitologema.
Outro mitologema, mais denso e remoto, gerador de mitos, é a sensação do queda de sol no crepúsculo. O sol poente. O sol ocidente. O Ocidente. A terra do crepúsculo.

Pois bem, os mitemas, ou mitologemas apontam para essa instância de compreensão de um prius, de uma anterioridade das formas, da região em que habitam as formas radicais, as protoformas, indicadas pelo Dr. Crippa.

Essa instância primordial é o Mito.

Não pretendo resumir um tratado, como é o livro do Adolpho Crippa, mas passo a compreender a cultura, enquanto anterioridade, enquanto alvéolo, a partir do aprofundamento da idéia do Mito, enquanto lugar inaugural das civilizações, genetriz do mundo factível, do provável e do possível. De fato não há possibilidade de comunicar, de habitar, sentir ou imaginar, sem as protoformas míticas dessas coisas num espaço do possível, ou seja, há uma ursprache, uma linguagem primordial, antes de existir as línguas, a comunicação humana. Da mesma maneira que há “uma manifestação primordial do sagrado antes de uma verdadeira experiência religiosa”.
A cultura, portanto, é o berço das coisas, das ações e das realizações humanas, do que é feito e do que é possível ainda fazer. A cultura é filha única do mito e mãe das civilizações.


Com isso, abro a possibilidade de finalizar esta missiva, apontando para leitura da obra clássica do culturalismo brasileiro, Mito e Cultura, do Dr. Adolpho Crippa.

Concluo, meu compadre Carlinhos, que essa carta já se alonga por demais, renovando os mais cordiais sentimentos de estima e admiração.

Abraço fraterno.

Eurico
Recife, 02/06/2009

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O ovo ou a galinha - o homem ou a cultura?

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Prezado Compadre,


Eis que essas cartas estão tomando um rumo que me fazem lembrar de uma perguntinha, aparentemente inocente e jocosa, mas que se encaixa bem no nosso tema:
Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?
Ou seja, quem surgiu primeiro, o homem ou a cultura?

Perguntinhas da carinha de bobas, né? Mas , como diria Ortega y Gasset, não é em vão que elas trazem os curvos ganchos da interrogação.

Pois é nessa mesma linha de reflexão que o Dr. Crippa, mutatis mutandis, levanta algumas interessantes questões. À página 183, de seu Mito e Cultura, ele pergunta:

“Como poderia o homem criar palavras e símbolos antes de possuir o sentido da comunicação? Como edificaria uma casa antes de sentir a necessidade de habitar? Como ergueria um templo antes de uma experiência religiosa do sagrado?”

Três perguntinhas interessantes, e que vão, definitivamente, adiando o desfecho que julgávamos haver na carta anterior, num é mesmo, compadre?

Se não, vejamos: para o Dr. Crippa “há uma linguagem primordial, da mesma maneira que há um residir antes do habitar, um sentir e um imaginar que antecipam as expressões artísticas, uma manifestação primordial do sagrado antes de uma verdadeira experiência religiosa.”

Decorre dessas afirmações que: “para agir e expressar-se em formas e atividades significativas, o homem deve estar dotado de formas radicais que tornem possíveis tais expressões.”

Eis que surge uma nova questão que também adiará o desfecho desta carta, e que deixo para a meditação de meu compadre:

Se o espírito humano necessita dessas formas radicais que preexistiam numa anterioridade absoluta, num prius, de que instância recolhe o homem essas protoformas que orientam sua força imaginativa e criadora?


Até a próxima e
receba o abraço fraterno
de seu compadre e amigo,

Eurico


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sábado, 4 de abril de 2009

Epístola quase pirata: A cultura é um prius?


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Pois é, compadre,

Essa retórica por desfecho, implícita na forma de abordar o tema pelo Dr. Crippa, é o que eu iria tentar fazer nessas cartas. Desfecho, mesmo, só no final.
Mas, vacilei, e já que lhe adiantei o mote na carta anterior, vou piratear (copiar e colar) a proposição pela qual o Dr. Crippa irá pugnar durante todo o seu livro:

“a cultura não é aquilo que o homem faz, mas o contrário, é aquilo que faz com que o homem seja um determinado homem. Não pode ser uma realização do homem porque o homem, ele mesmo é o resultado da cultura.”

Vejamos o que ele sugere à p. 10, de seu Mito e Cultura:

"Se cada pessoa humana nasce com determinada fisionomia física e espiritual, é porque uma realidade constitutiva antecede as livres opções individuais e as decisões coletivas."

E prossegue:

"A cultura precede o homem e lhe oferece as possibilidades de agir e de fazer. O homem não poderia inventar a cultura, por mais que realizasse obras singulares nos diversos campos em que seu espírito possa se manifestar. O homem não cria a cultura. Ao contrário, ele é constituído pela cultura, nele mesmo, no seu mundo, na sua linguagem, nos seus valores. A cultura seria assim uma anterioridade absoluta frente à liberdade, uma anterioridade absoluta frente à imaginação, uma anterioridade absoluta frente à linguagem.
Os homens não criam a linguagem. Para isso teríamos que imaginar um povo não falando nada e, de repente, reunido, acertando sons, imagens, conceitos, ou seja, descobrindo ou escolhendo uma certa maneira de falar. Ou então um conglomerado de entes, que humanos não seriam ainda, escolhendo os símbolos, as formas de suas manifestações no campo da religião, da arte e da ciência. Isso é algo impossível. A cultura seria assim um precedente absoluto frente à consciência e frente à liberdade. Nenhum homem nasce por acaso e do nada. Nenhum homem surge absolutamente perdido no espaço. Há uma anterioridade determinante."

Finalmente, citando textualmente o filósofo paulista Vicente Ferreira da Silva, assim arremata o Dr. Crippa:

"Não se tem um exemplo sequer, empiricamente constatável, do aparecimento de uma civilização ou de uma cultura, a partir da deliberação e da vontade dos indivíduos. Nunca assistimos ao nascimento de uma cultura . . . Para que haja uma ação ou interação entre indivíduos, já deve estar previamente inaugurado o teatro social de uma ação culturalmente relevante. Uma cultura é um prius absoluto em relação a qualquer criação de bens ou de instituições derivadas..."¹


Acho que não me contive e já entrei no desfecho.
Mas, como o que estou postando ao compadre são meras cartas e não dissertações, fica assim mesmo.
E assim me despeço, pois acho que essa prosa já se alonga demais.
Seu compadre e amigo
Eurico
(Ah, compadre, prius é uma anterioridade absoluta, o que vem antes de tudo.)

¹
www.tropicologia.org.br/CONFERENCIA/1983cultura_brasil.html#nota3


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sexta-feira, 3 de abril de 2009

Coprocultura é Cultura?

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Prezado Compadre,
Tou aqui de novo.


E começo com mais essa provocação. Aqui no nordeste, quando um cidadão veste sua roupa domingueira e sai todo perfumado, ouve logo um gracejo:
Vai fazer exame de fezes, ?
É isso que me invoca, compadre, essa tal coprocultura. Parece que cultura é uma palavrinha que cabe em todo canto. Fui então ao pai dos burros e descobri que o biomédico vai "cultivar" os microorganismos que existem na amostra fecal do paciente. Copro é excremento, escória, fezes. E cultivar é fazer cultura. Pronto. Ta explicado.

Mas, cuidado. Um homem de vasta cultura não é um biomédico de larga experiência, compadre. Muitos bem que debruçam-se sobre verdadeiras escórias.
No entanto, há usos diferentes para essa palavrinha. Cada um “cultiva” um significado pra ela, ?
E a partir dessa palavra “cultivar”, passo a transcrever o que entende o Dr. Crippa sobre Cultura:

“O homem apresenta-se, desde o início, como cultivador. Não só da terra, dos rebanhos e das forças da natureza. Cultiva seus gestos, suas expressões, sua fisionomia, seus hábitos de habitar, de vestir-se e alimentar-se. Cultiva a amizade, cultiva o espírito, cultiva as relações com os entes divinos que iluminam a cena inaugural. Cultivar é um gesto profundamente humano quanto o de cultuar. Há um culto imerso no gesto de cultivar, da mesma maneira que todo gesto de cultuar manisfesta o cultivo de alguma coisa. Cuidar, pastorear, cultivar, cultuar, são gestos idênticos entre si. Trata-se sempre do homem reclinado sobre as coisas, sobre si mesmo, sobre suas significações últimas, adequando e moldando o mundo às formas que se constituem em seu espírito imaginativo e criador.” ( Adolpho Crippa, Mito e Cultura, 1975, p. 182)

Até aqui nada de novo, né, compadre. Entendi, disso tudo, que o homem "cultiva a cultura", se assim posso dizer. O danado é que muitos homens passam a vida a produzir material para dar trabalho aos biomédicos. Ou seja, a fazer merda na vida. rsrsrs

Aqui me despeço,
porém, me aguarde, pois o Crippa tá blefando, fazendo retórica por desfecho, com essa coisa de afirmar que a cultura é produto do homem. O livro avança e ele irá nos surpreender com as conclusões a que chega. Na verdade ele crê que é a cultura que faz o homem.

Mas, aguarde a próxima missiva.


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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Que é, de fato, cultura?

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Prezado, compadre Carlinhos,

Acabo de ingressar em um Curso de Formação em Gestão Cultural para Pontos de Cultura. E, como o senhor sabe, gosto de definições, de etimologia e das provocações maiêuticas. Isso me traz até este Sítio intra-histórico d'Olinda, nesssa manhã de quinta-feira. Vim questionar essa palavrinha tão empregada por aí, sem preocupações maiores com o seu sentido último: Cultura.
Por isso fala-se em cultura antiga e moderna, cultura bizantina, egípcia, brasileira. Toma-se, até mesmo, erudição por cultura. Chamam-se, por conta disso, de cultos, aos homens letrados, e aos iletrados, de incultos. E, finalmente, tratam o folclore, os costumes, como se fossem sinônimos de cultura. Uma salada conceitual ou um sarapatel semântico?!

Que é de fato, cultura?

Não irei arriscar uma resposta de minha autoria, posto que não sou versado nessas coisas, mas, ando lendo um tal de Adolpho Crippa, MITO E CULTURA (Ed. Convívio, 1975), que traz certas luzes sobre o tema. Aos poucos, e com a ajuda e permissão do compadre, voltarei a este Sítio, para novas tertúlias e trarei um pouco do que este notável culturalista compreende sobre o sentido último da palavra cultura.

Sem mais,
despeço-me com um abraço fraterno.

Luiz Eurico,
seu compadre e amigo.

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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Saudades do Sítio



Recife, 17 de fevereiro de 2009

Prezado Compadre,

Saudações foliãs,


Sábado sairá o Homem da Meia-noite, e eu não poderei estar presente.
Vai ser a primeira vez em alguns anos que não contemplo a quase mística aparição daquele calunga do nosso carnaval.
O senhor sabe, compadre, como me foi difícil mudar de cidade. Como foi difícil sair do sítio intra-histórico d'Olinda. Em maio já vai fazer um ano. E a saudade do convívio com os moradores daí, nessa época de folia, só aumenta: Tia Landa e família, Selma e o marido Júnior Madeira, Sílvio Botelho (o pai dos bonecos d'Olinda), e o Rui. Ah, meu compadre, só o Rui é quem sabe aproveitar dessas ladeiras! Abrace a todos por mim. Quem sabe apareço pra ver o Galícia, que sai de dentro do Sítio, ou mesmo A Fofoqueira do Bonsucesso, troça que me faz lembrar de certas pessoas engraçadas daí. Bem, é carnaval. Vou completar 30 anos de Galo da Madrugada, sábado. Esse eu não perco de jeito nenhum. Apesar de que, com a morte do Seu Enéas, o eterno presidente, ano passado, estão inventando de trazer as bandas Calipso e Saia Rodada pro desfile. Vou conferir. Se isso acontecer mesmo, ano que vem estou fora! O Clube de Máscaras ( e não bloco) Galo da Madrugada sempre foi um baluarte do frevo pernambucano. O povo gosta do forró, compadre, mas tudo tem sua época. E esse forró estilizado não pega bem no carnaval, né mesmo? Saia rodada só no maracatu!!! rsrsrs

Sem mais, e com saudade de todos, despeço-me.

Abraço fraterno
do seu compadre e amigo Eurico

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Sinhá Nana - 102 anos - a mais velha Dama do Paço dos maracatus-nação, em Pernambuco























Bem, primeiro deixem que eu me apresente: meu nome é Luiz Eurico de Melo Neto, ou simplesmente Eurico. Meu blogue literário se chama Eu-lírico, e é lá o lugar onde apresento meus escritos e minhas idéias.
O que faço aqui, então?
Explico:
convidou-me, o compadre Carlos, cá deste Sítio d'Olinda, para que eu contasse a história do Ponto de Cultura Almirante do Forte, ou melhor, de como eu, poeta bissexto, entrei nesse projeto.
Antes disso, tenho de contar sobre Sinhá Nana:

Há uns 50 ou 60 anos atrás (1940/50), morava com o "clã dos Melo", em casa de meus avós, uma cafuza, de nome Ana Carmelita. Eram amigos de infância, desde os albores do século XX, meus avós, filhos de escravos-libertos, nascidos por volta de 1895, e Ana, nascida por volta de 1906. Naquela época eram comuns os agregados em casa de família. Lavavam, passavam, cozinhavam. Era essa a função da Ana Carmelita na nossa família. Não era empregada, já disse, mas agregada.
Desse modo, viu nascerem filhos e netos dos meus avós, eu aí incluído. O que lembro, lá da primeira infância, é que quando chegava fevereiro, a negra Carmela, ou Tia Nana, como os pequenos a chamavam, sumia de casa. Eu ouvia os adultos dizendo que ela dançava em um maracatu. E nesse mês "endoidava" para fazer a fantasia, umas saias rodadas, cheias de armações.
Bem, passou-se o tempo. A Sinhá Nana foi morar com o filho e a nora. Sumiu do mapa. Perdemos ela de vistas. Meus avós faleceram. A vida seguiu.
Dia desses, agora em 2008, ouvindo um programa de rádio, chamado Maracatus, Batuques e Folia, eis que o Mestre, entre uma loa e outra, manda um abraço para Ana Carmelita, a mais velha dama de frente de Maracatu Nação da cidade do Recife. Dei um pulo do sofá. Era ela. Era a minha Tia Nana. E ele disse o endereço dela no ar: Estrada do Bongi.
O Bongi é um bairro quase central do Recife, que eu conheço bem porque fica nas imediações do meu trabalho. Fim de semana, saí à procura da velha Carmelita. Devia ser fácil. Acharia logo a sede do famoso Almirante do Forte. Lá saberiam me dizer onde achar Tia Nana. E, pra minha surpresa e sorte, nem precisei andar muito. Ela estava ali mesmo. Abandonada pelos filhos, a velhinha fora acolhida pelos donos do Almirante. Está morando dentro da sede do maracatu.
Dias depois levei minhas tias, meus pais, toda a família pra rever a velha amiga de infância. Foi lindo ver aquele grupo de meninas, todas na faixa dos 90 anos, rindo e se abraçando. Achamos a nossa ovelhinha perdida.
O Mestre Teté, filho do fundador do Almirante, então me contou da situação de penúria por que passava a agremiação e me pediu ajuda para fazer um projeto para que o Almirante passasse a fazer parte dos Pontos de Cultura, ligados ao MinC (Governo Federal) e à Fundarpe (Governo de Pernambuco). Nunca havia feito nada parecido, mas, para ajudar a quem, tão generosamente, acolheu minha velhinha, topei. Fizemos, com a ajuda de outros amigos, um projeto despretensioso. Achávamos que os jurados nem iriam ler aquilo. Seja lá o que Deus quiser! disse-me o Mestre Teté.
Entrei como voluntário na Coordenação Técnica e dei meu email, como contato. Um belo dia, chega a boa notícia. O projeto fora aprovado!!!
Agora o Maracatu vai reformar a séde, criar cursos de dança, percussão, informática, vídeo e confecção das próprias indumentárias. Felicidade geral, para uma comunidade humilde, mas determinada e cheia de sonhos.
Viva Sinhá Nana, 102 aninhos, que, mesmo sem sair às ruas (a idade não mais permite), continua a dançar com a boneca de cêra!!!

Viva o Maracatu Nação Almirante do Forte!!!
Viva o mais novo Ponto de Cultura do Recife.

Breve na TV Brasil, mostraremos nossa força.
Nos aguardem na telinha.

Eurico
12/01/09

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Nota: foto da Tia Nana num clique da Kelly Cristina, durante reunião inaugural do Ponto de Cultura Almirante do Forte, em 16/05/09.
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sábado, 10 de janeiro de 2009

Maracatu Nação Almirante do Forte


Côrte


Bandeira e Dama do Paço


Quarenta e dois anos após abolição da escravatura foi criado o Maracatu Almirante do Forte. Em 1931, tornaram-se dissidentes e resolveram criar outro maracatu. Foram à Capitania dos portos do Recife, e escolheram o nome do novo maracatu graças ao navio “Almirante”.

O Maracatu Almirante do Forte, entidade com ações relevantes na área cultural há 79 anos, e que tem na sua descrição de atividade econômica principal a defesa de direitos sociais com ações ligadas à cultura e à arte, atualmente passa por dificuldades que podem parar as suas atividades, pondo em risco a perda de uma memória popular que é a verdadeira expressão das raízes africanas em nosso Estado.

Hoje o MARACATU NAÇÃO ALMIRANTE DO FORTE é uma Nação Nagô, tendo a mais antiga dama de paço (em atividade), a Sra. Josefa Maria da Silva (1910), mãe do atual presidente o Sr. Antônio José da Silva Neto (Mestre Teté).


Desenvolve várias atividades culturais ao longo do ano como:

Todos os anos no desfile Oficial do carnaval promovido pela Prefeitura da Cidade do Recife, sendo membro da Federação Carnavalesca de Pernambuco;

Participação anual durante o carnaval do Encontro de Maracatus de Baque Virado, intitulado Noite dos Tambores Silenciosos;

Participação no Projeto Terça Negra, da Prefeitura da Cidade do Recife;

Apresentações no Festival de Inverno de Garanhuns, por diversos anos.


Desfile no FIG (Festival do Inverno de Garanhuns-PE)


Foi um dos selecionados no último edital (2008/2009) para tornar-se um Ponto de Cultura (projeto participante do Programa Cultura Viva, do Governo Federal, em Parceria com o Governo de PE-FUNDARPE (Minc/Fundarpe)). Este projeto trará muitos benefícios para o Almirante, pois visa a preservação da tradição contida no maracatu-nação. A idéia surgiu da iniciativa dos amigos do Maracatu que fazem parte da cena cultural de Pernambuco, que, preocupados com a situação do Maracatu Almirante do Forte e da comunidade carente à qual ele pertence, desenvolveram projetos para garantir a manutenção e continuidade das ações do mesmo.


Com a implantação do projeto a comunidade será beneficiada nas seguintes áreas:

Artística

Capacitação de participantes em técnicas de confecção de instrumentos e aprendizado de toques básicos do maracatu de baque virado;

Formação através da transmissão de oficineiros das danças peculiares do maracatu de baque virado;
Formação de costureiras para atender todas as demandas especifica das roupas e indumentárias do maracatu de baque virado;

Formação de pessoas para utilização de equipamentos de audiovisual e informática, para serem aplicados nos serviços e registros do maracatu.

Social

Fortalecimento da identidade cultural das raízes do maracatu de baque virado;

Impulsão do protagonismo com ações culturais em suas comunidades através da inclusão digital

Promoção dos direitos humanos culturais e sociais;

Econômico

Qualificação e capacitação de membros do maracatu na confecção de roupas e indumentárias próprias do maracatu, com possibilidade de obter renda.

Qualificação e capacitação de músicos em instrumentos de percussão dos ritmos dos Maracatus de Baque Virado
.


Mestre Teté


Batuqueiros


Já que falamos de apresentações culturais o Maracatu vai participar de um dos Ensaios de preparação para o Carnaval com Naná Vasconcelos:


» Quinta (22/01)
Maracatu Almirante do Forte
Estrada do Bongi, 1319 - Recife (Próximo a Delegacia da Mustardinha).



Batuqueiros



Baianas


MARACATU NAÇÃO ALMIRANTE DO FORTE
www.flickr.com/almirantedoforte
Fundado em 07 de Setembro de 1931
Estrada do Bongi, 1319 – Bongi – Recife – Pernambuco
CEP – 50830-360
CNPJ – 08.798.084/0001-62
FONE – (81) 3229.7932
(81) 9644-8673
Email –
almirantedoforte@yahoo.com.br
almirantedoforte@gmail.com
mestre.tete@yahoo.com.br

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

E o Ano Começou...

Huuum... Mas...

Podemos dizer que o na finalmente começou?

Ou será que realmente só começa depois do carnaval como dizem por aí???
Rsrsrs

Bem, este ano em Olinda antes mesmo de serem encerrados os festejos do Ciclo Natalino* iniciaram-se as prévias carnavalescas: dia 03/01, o bloco As Virgens de Verdade de Olinda (é um bloco irreverente onde os homens se vestem de mulher. É legal, já fui algumas vezes...) fez sua prévia no Clube Atlântico de Olinda a partir das 15h.

Na festa também foram comemorados os 20 anos da Troça Carnavalesca Mista Clube dos Cafajestes. As atrações do evento foram a banda Mercado, DJ Uirá, Patusco e bateria da Escola Gigantes do Samba.

Com certeza, os foliões que irão se preparar para a folia de Momo podem contar com muito Frevo, Maracatu e diversão.

* Casa da Rabeca celebra Dia de Reis com música e dança

Nesta terça-feira (6), música, dança, teatro e poesia vão alegrar o dia de Reis na Casa da Rabeca, em Olinda, espaço criado pelo Mestre Salustiano. O evento ocorre a partir das 19h e a entrada é gratuita.


Em sua 14ª Edição, a festa terá apresentações do Cavalo Marinho Boi Matuto e da Ciranda Nordestina, ambos formados por integrantes da Família Salustiano. Participa do evento o Pastoril Tia Nininha.


TRADIÇÃO

Festejado em 6 de janeiro, o Dia de Reis é uma festa católica que marca a data da visita dos três reis magos ao menino Jesus, em Belém. A tradição religiosa diz que, guiados por uma estrela, os reis magos levaram ao Deus menino, ouro, incenso e mirra, que representam as três dimensões de Cristo: a realeza, a divindade e a humanidade. O dia de Reis marca o encerramento do ciclo natalino.”
da Redação do pe360graus.com em 06/01/09

Desculpem o post atrasado, é que estava viajando.
Assim que tiver a programação das prévias e do Carnaval, divulgarei aqui.

Em tempo:

Amanhã começa a sexta edição da Feira Nacional de Artesanatos do Chevrolet Hall (Fenahall).

Feira de Artesanato traz expositores estrangeiros e de vários estados do Brasil

Começa nesta sexta-feira (9) a Fenahall, Feira Nacional de Artesanatos - que acontece na área interna da casa de shows Chevrolet Hall. A banda The Fevers se apresenta na abertura do evento. A entrada custa R$ 4 (inteira) e R$2 (estudantes e idosos a partir de 65 anos).

Em sua sexta edição, o evento terá a participação de cerca de 800 expositores, vindos de 11 países e de diversos estados do Brasil. Nos mais de 200 estandes, os visitantes poderão ver trabalhos de decoração, roupas, acessórios, brinquedos e culinária.

Além da exposição, a feira terá shows com artistas locais. Para que os pais possam circular pelo evento com tranquilidade, o Espaço Criança terá recreadores para divertir meninos e meninas.

Em 2009, o evento traz como novidade o estande do grupo Jovem Artesão de Pernambuco, formado por jovens que cometeram pequenos delitos e, atualmente, fazem trabalhos de artesanatos com produtos reciclados.

A Fenahall segue até o dia 18. Os organizadores da Fenahall esperam um público total de 60 mil visitantes e R$ 3 milhões em negócios. Mais informações, pelo telefone (81) 32477520

SERVIÇO

Fenahall – Feira Nacional de Artesanato do Chevrolet Hall
Local:
Chevrolet Hall
Quando: de segunda a sexta, das 16h às 22h, e sábados e domingos, das 14 às 22h
Entrada: R$ 4 (inteira) e R$2 (estudantes e idosos a partir de 65 anos)
Da Redação do pe360graus.com


Quero pedir desculpas porque as imagens do post de hoje estão sem 'a fonte'. É que quando estava editando a cor apertei em um botão e apaguei todo o post e não tinha salvado os sites...

Beijos, Beijos...